Koten-bu Volume 5: Prólogo (Parte 1)

From Baka-Tsuki
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PRÓLOGO: Um caminho longo demais para ser percorrido apenas correndo

1. Presente: 0 km


No fim das contas acabou não chovendo, apesar do quanto rezei para que isso tivesse acontecido.

Minhas orações também não funcionaram no ano passado e isso apenas mostra o quanto rezar para que chova é algo completamente inútil. Portanto, ao compreender esse fato, suponho ser capaz de aceitar pacificamente as condições quando, de maneira inevitável, esse dia chegar novamente no próximo ano. Se não preciso fazer algo, eu não o faço. E o que preciso fazer, faço rapidamente. Hoje, eu – Houtarou Oreki - aprendi como rezar para que chova é algo do qual definitivamente não preciso fazer.

Dos milhares ou mais estudantes do Colégio Kamiyama antes espalhados nos arredores da entrada, um terço já havia desaparecido. Haviam partido em uma jornada aos confins do distante horizonte. Mesmo sabendo que tudo isso era somente gasto de energia em vão, não consegui sentir nenhuma compaixão. Afinal, em pouco tempo eu estaria passando pelo mesmo sofrimento.

O megafone foi ligado novamente — fazendo um longo ruído de perfurar os tímpanos — e por meio dele uma ordem foi proferida.

— E com isso concluímos todas as classes do terceiro ano. Classe 2-A, tomem suas posições.

Como se fossem arrastados, colegas de sala começaram a se posicionar. Entre eles haviam aqueles transbordando de entusiasmo, entretanto, a maioria dos estudantes tinha uma aparência de conformação em seus rostos e a serenidade irradiada por eles era quase divina. Tenho certeza que também carrego exatamente a mesma expressão.

Havia uma linha desenhada com giz no chão e ao lado dela estava posicionado um membro da Comissão Executiva com uma pistola em mãos. Ele não irradiava nenhum pouco da sua severidade sem sentido, normalmente encontrada no cruel e frio exercer de sua função. Considerando seu rosto de estudante do ensino fundamental, ele deve ser do primeiro ano. Estava focado em seu cronômetro, como se não fosse tolerar qualquer desordem, nem por um segundo sequer. E até o fim do dia, estaria apenas cumprindo ordens. O mais provável é que nem mesmo esteja considerando o tipo de significado especial que suas ações têm sobre nós. Se tiver pensado a respeito, deve ser no máximo algo como:

“Não tomei essa decisão. Meus superiores me disseram o que fazer e devo fazer aquilo que foi definido. Não é como se eu quisesse fazer, então não tenho responsabilidades em relação a isso.”

Era exatamente esse tipo de raciocínio que o permitia realizar tão incalculável crueldade sem nem mesmo uma mudança de expressão. Lentamente, ele ergueu a pistola em sua mão.

Talvez agora, neste exato momento, todos nós testemunharemos uma chuva tão violenta e repentina que irá transformar para sempre a meteorologia conhecida até os dias de hoje. Porém, o céu de julho permaneceu tão refrescantemente claro a ponto de me deixar irritado. Nem mesmo raposas conseguiriam se casar em um dia como esse*.

N.T: Dizer que uma raposa irá se casar é uma expressão idiomática japonesa referente a chuvas de verão.

— Preparar.

Ah, é claro. Não havia percebido isso a um segundo atrás? O céu não responde às nossas orações. Não tenho escolha a não ser fazer o esperado. Até o momento final, o membro da Comissão não tirou os olhos do cronômetro. Com um dedo fino, ele puxou o gatilho.

Um som explosivo soou e fumaça surgiu do cano da pistola.

Esse é Evento Hoshigaya, organizado pelo Colégio Kamiyama. Finalmente, a Classe 2-A começou a correr.



O Colégio Kamiyama é bastante conhecido pelo excesso de entusiasmo quando se trata das atividades dos clubes de nosso campus. Isso sem falar que apenas tentar contabilizar a extensa quantidade de clubes existentes já é um saco por si só. Se estiver lembrando corretamente, existem cerca de cinquenta esse ano. O Festival Cultural de Outono causou bastante agitação por cerca de três dias e o entusiasmo foi tão intenso que qualquer um que seja bom da cabeça concordaria que ficamos um pouco sobrecarregados.

Por outro lado, isso também significava uma abundância em relação aos eventos esportivos. Embora não haja atletas em nossa escola com capacidade suficiente para participar dos intercolegiais, ouvi dizer que o Clube de Artes Marciais possui um histórico bem impressionante. Assim que as coisas começaram a se acalmar e o Festival Cultural foi encerrado, o Festival Esportivo iniciou logo em seguida e conjuntamente, uma gama de torneios esportivos tomou seu lugar no começo do novo ano acadêmico. Devo dizer que não considero tudo isso tão exaustivo quanto parece. Não é como se eu estivesse extremamente entusiasmado com a ideia de participar, mas no mínimo posso concordar em fazer algumas recepções nas partidas de vôlei ou correr a maratona de 200 metros. Como sou obrigado a participar, no mínimo posso encontrar algo que me faça suar um pouco a camisa e mostrar a todos um sorriso.

Porém, duvido conseguir sorrir se me pedirem para correr mais do que isso.

Especificamente quando se é dito para correr por cerca de 20.000 metros.

A corrida de longa distância do Colégio Kamiyama acontece todos os anos durante o final de maio. Aparentemente, a nomeação oficial é “Evento Hoshigaya”. Mesmo que o evento tenha supostamente sido nomeado dessa maneira em homenagem a um ex-aluno que se estabilizou no Japão como um habilidoso corredor de longas distâncias, ninguém usa esse título. Em contraste com o Festival Cultural, que é nomeado com algo enigmático como “Festival Kanya” mesmo não possuindo um nome específico, o Evento Hoshigaya costuma ser apenas chamado de “maratona”. No meu caso, acabei me acostumando a chamá-lo assim devido ao meu amigo, Satoshi Fukube, somente se referir a ele dessa maneira.

Sei que deveria estar contente, considerando que esse evento é mais curto do que uma maratona de verdade. Mas, no fim das contas, realmente esperava que houvesse chovido hoje. De acordo com Satoshi, o regulamento sobre o uso de ruas públicas indica que, em caso de chuva, a maratona deve ser interrompida imediatamente, permanecendo sem previsão de retorno pelo resto do dia. Contudo, ele também acrescentou: “Mas é estranho, não é? Pelo que pude ver de todas as edições passadas, o Evento Hoshigaya não foi interrompido nem uma vez sequer”.

Deve existir um deus, em algum lugar, que zela pelos atletas do Evento Hoshigaya. Só pode ser um deus maligno.

Eu usava uma camisa branca de mangas curtas e shorts de uma cor entre o vermelho e o roxo, algo como carmesim. As garotas usavam shorts justos da mesma cor. O emblema do colégio estava bordado no peito da camisa e embaixo havia uma etiqueta informando o nome do aluno e sua classe. O fio de costura que mantinha minha etiqueta “Classe 2-A / Oreki” no lugar estava começando a descosturar. Fazer isso foi um saco e ainda acabei por não fazer um bom trabalho. Enfim.

Atualmente estamos no final de maio, então não chove tanto quanto na próxima estação*. Se a maratona fosse de fato cancelada na sexta-feira, ela não poderia vir a ocorrer no dia seguinte por ser final de semana e acho que esse é o mínimo de consideração. Como havia acabado de dar nove da manhã, ainda estava desagradavelmente frio. Assim que o sol aparecer, tenho quase certeza que logo começarei a suar.

N.T: A estação de chuvas japonesa, Tsuyu, tipicamente começa no início de junho e segue até o meio de julho.

Existe outro portão no campus, ao lado dos portões principais, e toda a Classe 2-A o atravessou ao começar a correr. Até logo, Colégio Kamiyama. Devemos nos encontrar novamente daqui a 20 km.

O trajeto do Evento Hoshigaya não era muito bem definido e sua única instrução específica era “dê uma volta nos arredores do colégio”. Entretanto, isso se resume a toda a área montanhosa por detrás do colégio, prosseguindo até distante e nevada Cordilheira Kamikakiuchi. Então, na realidade, a “corrida de longa distância” era mais algo como uma trilha de longa distância.

Eu conhecia muito bem o trajeto.

Você corre um pouco ao longo do rio que flui em frente ao colégio e então sobe a ladeira à direita, na primeira interseção. Ela parece suave no início, porém, rapidamente a inclinação se torna maior. Assim que se aproxima do topo, ela se torna tão impiedosa que acaba com o corpo de qualquer um. Uma vez que você a tenha subido, a estrada imediatamente se transforma em uma descida. Assim como na subida, a descida é muito mais longa e violenta do que o esperado e seus joelhos sobrecarregados pelo esforço irão querer gritar de dor. O fim da descida nos levará a uma larga expansão da zona rural da cidade. Você vai poder enxergar ocasionalmente uma casa aqui e ali. Como há pouca inclinação nesse ponto da estrada, ela segue numa linha reta como fosse se estender por toda a eternidade. Logo, esse trecho tende a causar o maior impacto psicológico possível.

Uma vez que alcance o fim dessa planície, terá de subir outra ladeira, entretanto, diferente da anterior, essa não é tão violenta. O problema é, na verdade, que o vento nessa estrada é extremamente forte e as constantes curvas surgindo uma após a outra tendem a acabar com o ritmo de qualquer um.

Acima reside a região nordeste da cidade de Kamiyama, chamada Jinde. É o local onde a casa de Chitanda fica localizada. Nesse ponto, você segue por um estreito rio colina acima.

Continue seguindo o caminho através do vale dessa forma e eventualmente você retornará a área urbana. Contudo, embora diga isso, não é como se nós fossemos correr pelo meio das principais avenidas. Então, como resultado, usamos rotas alternativas. Uma vez que você passe em frente ao Santuário Arekusa e do estereotipadamente branco Hospital Rengou, você começará a poder ver o Colégio Kamiyama novamente.

Como sei disso tudo? Então, veja bem, eu participei no ano passado. Conheço cada trecho do início ao fim. Mas possuir esse conhecimento não vai fazer encurtar a distância nem um pouquinho sequer. Enquanto compreendo por onde tínhamos de ir, sinto que é necessário omitir o processo de se chegar até lá. Mesmo embora isso seja quase impossível, ao mesmo tempo é provável que seja também a estratégia mais favorável. Em outras palavras, quando é necessário percorrer uma distância de 20 km, no mínimo deveria ser permitido à pessoa escolher entre pegar um ônibus ou ir de bicicleta. Todavia, infelizmente, esse meu raciocínio extremamente lógico parecia não estar sendo levado em consideração.



Enquanto subimos o rio em frente ao colégio, subitamente, os problemas já estavam começando a surgir. A maior parte do trajeto ocorria em áreas de pouco tráfego. Em contrapartida, as ruas principais são conectadas a essas rotas alternativas, então havia uma quantidade considerável de carros trafegando. Ademais, não havia nada, nem mesmo um meio-fio separando os estudantes dos veículos que trafegavam – apenas uma única linha branca. A única razão para estarmos correndo tão cedo era para não causarmos nenhum congestionamento nas ruas.

Os estudantes da Classe 2-A corriam em uma fila única dentro da área demarcada pela linha branca. Esse era o único ponto por todo o perímetro de 20 km onde ambos os alunos velozes e lentos precisavam correr ao mesmo passo. Caso contrário, eles poderiam acabar se dispersando em direção à pista. No ano passado, foi “mais ou menos” permitido nos expandirmos um pouco além da linha demarcada, porém, esse ano, isso é estritamente proibido. É uma precaução tomada pelo colégio em busca de prevenir possíveis acidentes, como o de um aluno do terceiro ano que foi atingido por um carro em outra edição do evento. Graças a isso, nos foi permitido esse imenso prazer de ficarmos prensados em uma fila no qual era difícil correr.

Então, acho que não poderei ficar caminhando por esse trecho. A fila se mantinha correndo em um passo leve e ocioso. A estrada em minha frente era longa. Imagino que se eu correr nesse perímetro, no próximo poderei permanecer caminhando. Então, é tolerável.

Nós finalizamos o quilômetro que antes parecia tão longo e o rumo da corrida seguiu em direção a uma ampla estrada à direita. Nós nos afastamos da estrada principal vinda da área urbana e começamos a nos aproximarmos da parte posterior do colégio. É quando inicia a subida da ladeira.

A fileira única começou a se desagregar. Como se impelidos pela crescente frustração de não serem permitidos correrem em seu próprio ritmo, os alunos que tem um melhor condicionamento físico imediatamente tomaram a dianteira do grupo. Vários grupos de garotas começaram a se mover, provavelmente motivadas por alguma promessa de entusiasticamente correrem lado a lado umas das outras.

E eu comecei a diminuir o passo...

E a diminuir ainda mais.

Nesse ponto, eu já estava basicamente caminhando, no entanto, me mantive tentando parecer como se estivesse correndo de modo indiferente. Desculpe a todos os atletas aqui no Evento Hoshigaya, mas não posso me dispor a parecer tão entusiasmado quanto vocês. No meio desse breve trecho de 20 km, há algo do qual absolutamente preciso descobrir, e apenas disponho de 19 km restantes para fazer isso. Depois de mais ou menos uns 100 m da ladeira, ouvi uma voz vinda de algum lugar atrás.

— Ah, aqui está ele.

Não me virei para olhar, contudo, o portador da voz apareceu na minha frente de qualquer forma. Ele, Satoshi Fukube, desceu da bicicleta do qual veio pedalando.

Observando à distância, achei que ele parecesse um tanto quanto andrógeno, mas ao ver seu rosto a curta distância, percebo o fato dele ter se tornado bem mais diferente do que você poderia ter imaginado, se tivesse visto a foto dele no anuário do ensino fundamental e isso ainda me impressiona. É claro, o problema não está no fato do rosto dele ter mudado tanto assim, mas sim por, no decorrer do ano passado, ele ter guardado dentro de si todas as suas emoções por detrás daquela fachada. Eu ainda não tinha atentado a esse detalhe, pois não o via há quase três dias.

Esse ano, Satoshi se tornou vice-presidente do Comitê Executivo. Como era o Comitê que estava organizando o Evento Hoshigaya, seus membros não precisam participar da corrida. Afinal, eles partiram antes do início da maratona e é esperado que estivessem distribuídos por todo o percurso. Satoshi usava um capacete amarelo e empurrava sua mountain bike de sempre. Olhei para ele pelo canto do olho e disse:

— Tem certeza que não tem problema deixar de lado suas tarefas?

— Tudo bem, tudo bem. Já confirmei que a maratona começou sem nenhum problema e só vou sair daqui quando o último corredor atravessar a linha de chegada.

— Parece cansativo.

Entendo que o Comitê Executivo não precise correr na maratona graças aos seus esforços em supervisionar cada detalhe do Evento Hoshigaya. No entanto, esse cara vai precisar cobrir todo o percurso por cerca de 20 km em sua mountain bike para relatar quaisquer problemas que possam vir a ocorrer.

Satoshi deu de ombros.

— Bem, não é como se eu odiasse pedalar, isso realmente não é algo ruim, mas não precisaria me desgastar tanto se pudesse pelo menos estar com o meu celular.

— E você não pode fazer alguma coisa sobre isso?

— Não é permitido o uso de celulares a nenhum dos estudantes no campus. Mas, na verdade, se alguém se machucar eu poderia usar o celular pra pedir ajuda, não é? Eles precisam seriamente reavaliar suas regras. Sério.

Com isso, ele também lamentou a inflexível estrutura organizacional do Comitê Executivo, mas de repente uma expressão séria pairou sobre ele.

— De qualquer modo, você já tem alguma ideia sobre aquilo?

Como estava caminhando devagar, respondi imediatamente.

— Ainda não.

— Acho que a Mayaka...

Ele começou a falar, mas logo parou. Tinha ideia do que ele pretendia falar, então logo continuei.

— É obvio que ela suspeita de mim.

— Não, não acho que seja esse o caso. Parece que agora ela imagina que não tenha sido você. Foi o que me falaram, mas aparentemente ela disse: “Não acho que o Houtarou tenha feito alguma coisa. Afinal, ele literalmente não fez nada.”

Um sorriso amargo se espalhou em meu rosto. Não somente isso soa definitivamente como algo que Ibara diria, como também é a realidade. Não fiz absolutamente nada ontem.

Entretanto, se é dessa maneira que ela realmente pensa, as coisas podem vir a se tornar um pouco problemáticas.

— Se não fui eu...

— Exatamente — Prosseguiu Satoshi com um suspiro profundo.

Se não fui eu, existe apenas uma única outra pessoa que poderia ter sido o responsável. Comecei a pensar sobre o acontecimento de ontem.


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