Utsuro no Hako:Volume1 27754ª vez

From Baka-Tsuki
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Utsuro no Hako vol1 pic2.jpg


Meu corpo rapidamente se tornou frio e então esvaziou-se. Eu deveria ter me tornado vazio também, mas meus olhos abrem normalmente. Incapaz de resistir o frio congelante que já devia ter desaparecido, me enrolo na cama e tremo.

Fui morto.

No 2 de Março de algum loop.

Certo, mesmo que eu morra, a Sala da Rejeição continua inalterada. Após perceber isso, sinto como se estivesse mesmo me tornando vazio. O frio não parece que vai desaparecer tão cedo.

Não suporto ficar aqui por mais tempo, então saio mais cedo para escola sem ter um café da manhã apropriado.

Vejo o familiar céu nublado. Vai chover amanhã. Imagino qual foi a última vez que vi o sol?

Ninguém está na sala. Bem, isso é normal já que estou uma hora adiantado.

Uma pergunta toma minha mente subitamente. Por que eu continuo revisitando minha sala de aula teimosamente? Já testemunhei a recorrência da Sala da Rejeição muitas vezes; sei dela mesmo agora. Será que não posso simplesmente evitar ir à escola para resistir esta recorrência?

Não...eu irei! É, continuarei indo. Se estou saudável, vou para a aula. Esse é meu dia-a-dia. É definitivamente algo que eu nem sonharia em mudar. Algo que perseguirei à qualquer custo; manter meu dia-a-dia. Minha primeira e única fé.

Ah, entendo. Talvez essa seja a razão por eu ainda estar aqui. Não compreendo nem um pouco a lógica por trás disso tudo, mas isso é só como me sinto.

Mesmo que acabe sozinho nesta sala.

"——"

Ando para o meio da sala. Subo na classe de alguém sem tirar meus sapatos. Tento me desculpar silenciosamente, mas quando tento lembrar de quem é a mesa na qual piso, não sou capaz de lembrar o nome nem o rosto da pessoa. Ainda assim, desculpe-me.

Olho em volta. Não é como se eu esperasse ativar uma mudança só por subir em uma classe, mas não há ninguém nessa sala mal iluminada.

Não há ninguém na sala.

Não há ninguém na sala.

"......Hum, meio que estou com frio."

Me envolvo.

A porta da sala abre com um leve som. A pessoa que entra imediatamente me ve em cima de sua classe e me encara.

"...O que está fazendo aí, Kazu?"

O Daiya me lança um olhar desconfortável.

Depois dessa simples interação diária, meu rosto relaxa.

"......Aah, sério, que alívio," murmuro, e desço da mesa. O Daiya continua a me encarar com atenção. "Sabe, Daiya, te ver me acalma bastante."

"Que...bom."

"Afinal, você é mesmo o Daiya verdadeiro."

"...ei Kazu. Pela primeira vez em anos, estou com medo de um ser humano."

"Mas sabe, mesmo se você for o Daiya verdadeiro, esse mundo ainda é uma falsa vida cotidiana. Não posso compartilhar nada com você. O próximo Daiya não saberá do atual eu. É como se eu fosse o único fora da T.V. É um relacionamento unilateral. Será que dá mesmo parar dizer que você existe?"

É por isso que não há ninguém aqui.

—ninguém?

"Ah—"

Não, isso não está certo.

Há somente outra pessoa aqui.

Só há mais uma pessoa que pode compartilhar lembranças comigo. Há uma pessoa que não pode escapar enquanto eu manter minhas lembranças.

Aah, entendo. Esse tempo todo, apenas nós dois estivemos dentro da Sala da Rejeição. Estivemos próximos do outro esse tempo todo, incapazes de nos libertarmos e nem se importando com tentar, confinados dentro deste pequeno, bem pequeno espaço que é a nossa sala. Mas nunca tive a chance de perceber isso porque ela sempre esteve me tratando como um inimigo.

Sento no meu lugar.

Seu lugar fica perto do meu.

...Não consigo acreditar. Apenas por imaginar ela sentando ali, me acalmei um pouco—mesmo sendo ela quem me matou.



É por culpa disso?

Por quê? Por culpa do quê? Não entendo o significado disso. Não compreendo meus próprios sentimentos, mas a temperatura do meu corpo cai ainda mais. Rapidamente. Não, pior. Meu corpo já estava frio até as entranhas, mas agora ele congela, dói, alcança o zero absoluto e então enrijece completamente.


"Sou Aya Otonashi. Prazer em conhecê-los."


A "Aluna Transferida" se comporta quase como uma aluna transferida de verdade e sorri gentilmente, parecendo um pouco embaraçada.

"......mas o que infernos?"

Não entendo o significado disso.

Não, para ser honesto, eu entendo.

"Sou afetada pela Sala da Rejeição como todo mundo. Se eu desistisse e parasse de tentar preservar minhas lembranças, a 'Sala' me capturaria na hora. Eu viveria sem sentido algum dentro dessa recorrência sem fim. Desistir seria tão fácil quanto derramar um copo de água que você está precariamente balançando no topo da sua cabeça."

—uma voz que já ouvi antes ressoa em minha mente.

Olho para a garota em pé. Analiso sua aparência, concluo que tem de ser ela, mas mesmo assim não consigo acreditar.

Seria ela—Aya Otonashi?

Impossível. Afinal, ela nunca desistiria.

É, mesmo que ela descobrisse que a pessoa que está perseguindo por mais de 20,000 "Transferências Escolares" não é o culpado, e tudo que ela fez até agora foi por água abaixo—ela nunca desistiria. Não tem como! Ela simplesmente nunca desistiria!

Isso—não combina com ela.

Nossa turma está com metade do seu tamanho original porque as pessoas vêm sendo "rejeitadas". Ainda assim, todos que sobraram estão jogando perguntas pra cima dela. Ela dá respostas simples e concisas, mas completas. Ela não os rejeita friamente como antes.

Ela age...quase como uma aluna transferida de verdade.

Essa cena não deveria existir, então só pode ser uma farça. Uma mentira. Todos são apenas uma mentira. Tudo é uma mentira. Então...Aya Otonashi seria uma mentira também?

—Não vou,

—Não vou,

"Não vou permitir isso!"

Mesmo que todos permitam, eu não vou.

Não vou deixar a Aya Otonashi se tornar uma farça.

"...qual é o problema, Hoshino?" O Kokubo-sensei me pergunta por alguma razão. Só então percebo que subitamente me levantei.

Lanço um olhar à Mogi-san. Os olhares dos meus colegas estão focados em mim, o dela também. Mas como esperado, sou incapaz de adivinhar que pensamentos repousam atrás dessas faces inexpressivas.

Com certeza ela não responderia se eu perguntasse o que ela acha do que estou prestes a fazer. Passamos um longo tempo juntos nessa sala. Fora isso, nosso relacionamento estagnou.

O amanhã deve chegar para que nosso relacionamento possa ir além de meros colegas de classe.

Certo, a Mogi-san não está aqui.

Não há ninguém aqui.

Por isso...pra mim já chega.

Eu abandono todos meus colegas que esquecerão do meu comportamento estranho de qualquer jeito.

Olho apenas para a Otonashi-san. Caminho até a plataforma em que ela está.

A ação que estou prestes à tomar é tão anormal para mim quanto aquela tentativa de confissão foi para a Mogi-san.

Paro na frente da Otonashi-san.

A Otonashi-san não demonstra nenhum sinal de preocupação e lança um longo olhar avaliativo em mim. Fico extremamente irritado pela sua expressão, já que ela indica que está me vendo pela primeira vez.

"Ei, o que foi, Hoshino?"

Na superfície, a voz do Kokubo-sensei está calma, mas consigo reconhecer sua inquietação escondida. Meus colegas também fazem perguntas parecidas.

Ignoro todos eles e me ajoelho em frente a Otonashi-san. Baixo minha cabeça e estendo minha mão.

"O que está fazendo?" A Otonashi-san pergunta. Ela usa um tom educado totalmente diferente do que ela usava para se dirigir à mim.

"Vim para encontrar-te."

Nesse caso, vou mudar o tom também!

"...do que você está falando?"

"Vim encontrar-te, milady Maria. Sou Hathaway, aquele que prometeu proteger somente à ti, mesmo que isso signifique a traição de todos os outros e vossas inimizades eternas."

O barulho de fundo das pessoas em nossa volta desaparece com uma velocidade cômica. É, verdade. Para resgatar a Otonashi-san, meu primeiro passo é fazê-la perceber que essas pessoas não existem. O silêncio total deve ser bem útil nesse aspecto.

Sem levantar minha cabeça, espero a Aya Otonashi tomar minha mão. Espero, imóvel, que ela ponha sua mão na minha e dê início à dança.

Mas não acontece como eu queria.

A Otonashi-san não toma minha mão.

Em vez disso eu caio para o lado, fazendo um som opaco.

"...nojento."

Já que minha cabeça estava baixa, não sei que tipo de ataque me atingiu. Mas enquanto olho para ela do chão, percebo que ela me atacou com uma joelhada vinda da direita.

Aah, é. Totalmente compreensível. Por que eu estava tão ingenuamente iludido, pensando que ela daria sua mão para mim?

"—Heh"

Sem dúvidas, se ela é mesmo a "Aya Otonashi", então seria impossível ela ser tão gentil a ponto de dar sua mão para mim.

"Ha, hahaha..."

Aparentemente incapaz de se segurar por mais tempo, a Otonashi-san ri. Ela parece estar entretida do fundo do seu coração, numa medida que eu provavelmente nunca vi durante essas 20,000 recorrências.

Ainda estou deitado no chão e minha cabeça dói, mas minhas bochechas relaxam de alívio.

"Você me fez esperar por um bom tempo, não é, meu amado Hathaway? Me impressiona que você se atreveu à fazer uma frágil donzela que mal consegue levantar mais do que uma colher, esperar tanto. Nunca achei que você me abandonaria 27,753 vezes no campo de batalha!"

A Otonashi-san se inclina para mim e estende sua mão.

Ela aperta minha mão e me coloca forçadamente de pé.

É, isso mesmo.

É assim que a Aya Otonashi deve agir.

"...mas graças à isso você se tornou bem forte."

A Otonashi arregala seus olhos em surpresa. Então ela novamente dá um fraco sorriso.

"Hathaway—você, por outro lado, aprendeu a lidar com as palavras."

Com isso dito, sem soltar meu pulso por um único momento, a Otonashi-san me puxa para fora da sala.

Ignorando a aula. Ignorando o professor. Ignorando os alunos. Ignorando tudo. Nós deixamos a sala, ignorando tudo que abandonei.



Depois de me arrastar para fora da sala, a Otonashi me colocou no assento de trás de uma moto enorme e me deu um capacete. Nunca experienciei velocidades tão assustadoras antes, e perguntei à ela com uma voz trêmula se tinha carteira de motorista enquanto envolvia meus braços em volta da sua cintura surpreendentemente fina. (Bem, na verdade não é tão surpreendente assim já que ela é uma garota, mas minha imagem dela é de uma confiança e firmeza absoluta.) Ela cruamente respondeu minha pergunta dizendo "Claro que não."

"Eu tinha muito tempo vago devido à todas as 'Transferências Escolares', então adquiri essa habilidade. Gasto meu tempo de forma bem eficiente, não acha?"

Tenho de admitir que suas habilidades com a motocicleta não são nada ruins.

Quando pergunto se ela adquiriu alguma outra habilidade, ela me diz "Claro." Dirigir está dentro das minhas expectativas, mas ela também treinou várias artes marciais, diversos esportes, algumas línguas estrangeiras, como tocar vários instrumentos musicais...e a lista continua. De um modo geral, dá para dizer que ela tentou quase tudo que poderia tentar dentro das restrições da Sala da Rejeição. Mas a Otonashi-san, que aparentemente seria capaz de tirar uma nota semi-perfeita no Exame Central Nacional para Admissões na Universidade, também proclama "Bem, eu já sabia a maioria dessas coisas antes das 'Transferências Escolares'."

Suas especificações básicas podem ter começado no alto, mas a quantidade de tempo que ela gastou nestes 27,754 loops é ainda mais ridículo. Não consigo calcular com exatidão, mas isso seria mais ou menos o equivalente a 76 anos, ou uma expectativa de vida humana. Quando penso um pouco mais nisso, a quantia de tempo que ela esteve viva incomoda minha mente.

"Então, Otonashi-san. Você tem a mesma idade que eu, certo?"

Provavelmente devido àquela linha de pensamento, fiquei curioso sobre sua idade física.

"...não, não tenho."

"Hã? Então quantos anos você tem?"

"Isso não importa, não é?" A Otonashi-san responde de uma forma um pouco mal-humorada. Seria esse um assunto sensível à ela? Bem, ouvi que perguntar a idade de mulheres é algo rude...então ela é velha o bastante para que isso se aplique?

Pensando mais, não há como existir uma aluna tão madura no meu ano escolar. Ela apenas escolheu ser minha colega por conveniência à fim de entrar na Sala da Rejeição. Será que ela já é velha o bastante para fazer com que vestir um uniforme escolar conte como cosplay?

"Hoshino, se estiver com pensamentos rudes, vou te jogar para fora."

Me pegando com as calças nas mãos sem mesmo me olhar enquanto dirige. Ela é afiada!

"Aliás, você aprendeu a dirigir uma moto durante as 'Transferências Escolares', certo? Se sim, essa não é sua moto, é? De quem é? Do seu pai?"

Não sei muito sobre motos, mas não parece que essa foi feita para uma garota.

"Vai saber."

"...hã?"

"Não acha que é muito descuido deixar uma moto sozinha na frente de casa, com a chave ainda na ignição?"

Bem, eu concordo, mas, espere, o quê? Então quer dizer que...

"Além disso, a corrente era de má qualidade e foi cortada facilmente com ferramentas comuns. É sempre a mesma coisa toda vez que me 'transfiro'. Bom, isso é óbvio."

Vamos parar de perguntar por detalhes. A ignorância é uma benção. É, não faço ideia do que ela está falando.

"Mas diga, se perder suas lembranças, então sua habilidade de condução, mais as outras habilidades e conhecimento que você adquiriu serão perdidas também, certo?"

Seria uma pena e tanto.

"……"

A Otonashi-san não responde.

"Otonashi-san?"

Continua sem responder. Será que—

"Também acha que seria uma pena?"

Será que ela não absorveu todo aquele conhecimento e todas aquelas habilidades apenas para matar tempo? Até mesmo alguém como a Otonashi-san se arrependeria de perder todas essas habilidades adquiridas, é por isso que ela não queria perder suas lembranças. É isso que eu penso.

À fim de produzir esse sentimento de 'arrependimento', ela continuou à adquirir habilidades.

O que me faz lembrar que—

Mesmo sendo um pouco tarde, eu começo a pensar.

—por que a Otonashi-san agiu como se tivesse perdido todas as suas lembranças?


No fim, ela me leva ao hotel com a aparência mais cara da vizinhança. Mesmo não sendo um cinco-estrelas, obviamente não está dentro da base de preços de um estudante do ensino médio. A Otonashi-san faz o check-in com uma tranquilidade treinada, dispensa o bagageiro que se oferece para nos levar ao quarto, e procede com determinação.

Após entrarmos no quarto, a Otonashi-san imediatamente se senta no sofá.

Sento-me na cama enquanto suprimo os sentimentos inquietos que tenho por estar num hotel de classe alta....na verdade, estar sozinho com uma garota num quarto de hotel normalmente seria uma situação bem estonteante. Mas com a Otonashi-san, fico surpreso por não sentir nenhuma tensão sexual. Estar com ela é surreal demais.

"Você é mesmo rica, Otonashi-san. Pelo menos é a impressão que me dá."

"Se sou rica ou não é irrelevante. O dinheiro vai voltar mesmo assim quando eu 'transferir' de novo."

"...pensando bem, isso é verdade. Então eu poderia comprar todos os Umaibōs na loja de conveniência. Demais!"

"Isso não importa agora. Não viemos aqui para discutir tais bobagens, não é?"

"C-Certo. O que você quer discutir especifícamente?"

"Que ações tomaremos a partir de agora. Afinal, perdi meu foco quando descobri que você não era o culpado."

"Desculpa."

"Chega de sarcasmo."

Mas eu não fui sarcástico...

"Mas, enfim, não seria melhor apenas achar o real culpado? Não me entenda errado; sei que não é tão simples, mas você não está muito melhor agora que perdeu aquela preocupação comigo?"

"...Hoshino. Eu experienciei 27,754 'Transferências Escolares'. Você sabe disso?"

"...o que quer dizer?"

"Lhe contei um pouco disso da última vez, não contei? Mesmo estando confiante da sua culpa, não é como se eu não suspeitasse de todos os outros. Eu também tentei entrar em contato com os outros suspeitos enquanto elaborava algo do zero....claro que eu fui negligente até certo ponto, já que o confundi com o culpado."

"Mas você não achou nenhum outro possível culpado além de mim?"

"Não. Pense que estamos na 27,754ª iteração. Isso significa que o proprietário da caixa é alguém que esteve escondendo sua identidade com sucesso durante um enorme período de tempo."

"Err, será que ele não a notou por suas ações tão extremas?"

"Mesmo que ele estivesse ciente de mim, seria impossível. Estamos falando da quantidade de tempo dentro de 27,754 iterações, sabe? Ou você acha que o proprietário tem a firmeza e a força de vontade de continuar escondendo sua verdadeira face por tanto tempo? Bem, para ser justa, ainda não o encontrei. Francamente...o proprietário só pode ser alguém que adentra esta sala, por que não consigo identificá-lo?"

"...espera aí. O que você quer dizer com isso de que o proprietário só pode ser alguém que adentra esta sala? O proprietário tem de ser um de nossos colegas?"

Me recordo que no último loop, a Otonashi-san mencionou que não há muitos suspeitos.

"Não. Os professores e alunos de outras turmas que vêm à sala 1-6 de vez em quando são suspeitos também. A área dessa Sala da Rejeição é, como o nome diz, apenas a sala 1-6. Apenas as pessoas que entraram a sala 1-6 durante o 2 de Março e o 3 de Março estão verdadeiramente envolvidas com esse fenômeno."

......? Mas eu deixei a sala e vi muitas outras pessoas.

"Seu rosto me diz que você não está entendendo, Hoshino. Veja, você acha que é mesmo possível voltar no tempo?"

"Hã...?"

O que ela quer dizer? Se eu disser "não," então o conceito básico da Sala da Rejeição ruirá, não é?

"...mas não é isso o que a caixa faz?"

"Acho que sim. A caixa poderia fazer isso. Mas estou perguntando sua opinião. Consegue mesmo acreditar que a força dessa caixa é capaz de voltar no tempo? Acha que tal fenômeno é ao menos possível?"

Não faço ideia do que a Otonashi-san quer dizer.

"Acho que—"

Então apenas respondo sua pergunta honestamente sem pensar em suas intenções.

"—quando algo acontece, não pode ser desfeito."

Até mesmo eu pensei "Se eu pudesse voltar no tempo" incontáveis vezes durante a minha vida. Mas mesmo que uma máquina do tempo existisse, eu ainda não conseguiria acreditar de fato em viagem temporal. Provavelmente não acreditaria nem mesmo que eu viajasse de volta ao passado, ao menos que eu ganhasse uma prova absoluta de que estivesse no passado. E é possível que mesmo assim, eu não seria capaz de aceitar.

Não sei se essa é a resposta correta, mas a Otonashi-san balança a cabeça em concordância com um "Hum".

"Seu pensamento é normal. E aparentemente, o criador dessa Sala da Rejeição também pensa como você."

"...o que quer dizer?"

"Uma caixa faz o desejo associado à ela se realizar com integridade absoluta. Minuciosamente. Perfeitamente. Em outras palavras—até mesmo as dúvidas do culpado sobre viagem temporal se materializarão, juntamente com tudo mais ligado ao seu desejo. Você entende o que isso significa, certo?"

"Err…."

Querer voltar no tempo, mas não ser capaz de acreditar nisso. Essa falta de fé provavelmente deformaria a forma do desejo. Entendo.

"Mas você não voltou no tempo de novo e de novo?"

"Hoshino. Eu me referi à este fenômeno como 'voltar no tempo' alguma vez?"

Não há como eu saber já que perdi a maioria das minhas lembranças dela.

"Vamos simplificar: Se a Sala da Rejeição nasceu do desejo de voltar no tempo, então ela foi mal feita. Não, ela puramente é defeituosa."

"Então por que você experienciou mais de 20,000 recorrências?"

"Isso não seria a própria prova de que ela é defeituosa? Se o tempo fosse perfeitamente rebobinado, seria impossível que minhas lembranças ficassem fora desse fenômeno. Sem mencionar que, se essas recorrências fossem tão perfeitas, como eu poderia entrar nisso tudo como uma 'Aluna Transferida'?"

Ela me dá um olhar sarcástico.

"Sendo você, aposto que pensou algo simples como 'Para a Otonashi, tudo é possível,' e parou de pensar aí mesmo."

Não posso me opor porque ela está totalmente certa.

"Simplificando, tudo o que eu fiz foi entrar na caixa. Por exemplo, eu não escolhi me tornar uma 'aluna transferida'. É uma posição dada à mim pelo culpado enquanto ele divide os papéis. O palco da Sala da Rejeição é a sala 1-6, então creio que foi o jeito mais natural de explicar minha entrada súbita; afinal, temos quase a mesma idade. O instinto de equílibrio do culpado preservou a consistência."

"……?"

Não faço ideia do que a Otonashi-san está dizendo. Por que é necessário preservar essa tal de consistência?

"Você continua sem entender nada...enfim, para explicar de forma simples—digamos que a Sala da Rejeição é um filme que o culpado está dirigindo. As filmagens acabaram, só falta a edição. Mas a produção insiste que há um novo ator que deve aparecer no filme. Não há mais papéis para interpretar. Mas apenas filmar esse ator adicional parado na cena sem dar um papel à ele é impensável; isso não seria mais um filme. Então o diretor decide modificar o script tão pouco quanto o possível à fim de dar um papel ao ator. É isso que quero dizer com 'preservar a consistência.'"

"Em outras palavras ele não pode lhe impedir de entrar e teve que integrá-la de algum jeito. Então ele foi forçado à transformá-la em uma 'aluna transferida' à fim de preservar a vida escolar do 2 de Março?"

"Sim. E isso por si só o deve fazer sentir que há algo errado com essa Sala da Rejeição. É chato demais explicar cada detalhe então vou direto ao ponto. Isso não é a 'realidade'. Nem uma recorrência real. É apenas um pequeno 'espaço' separado. É apenas um desejo desengonçado que se mantém firme enquanto o próprio culpado continuar a confundí-lo com um loop temporal real."

"Err...então é por isso que as recorrências era imperfeitas?"

"Exato. O culpado, que no fundo não acredita ser possível voltar no tempo, também não o permite prosseguir. Ele escolhe rejeitá-lo. O proprietário só precisa continuar enganando à si mesmo."

"Essa imperfeição é a razão pela qual podemos manter nossas lembranças?"

"Acho que sim. A razão específica pela qual podemos manter nossas lembranças pode diferir, mas sem dúvidas há uma brecha na Sala da Rejeição."

Mas há algo que ainda não consigo entender.

"No fim do dia, quem é você, Otonashi-san?"

A Otonashi-san faz um olhar severo. Talvez essa era uma pergunta que ela queria evitar.

"Ah, não...não precisa me dizer se não quiser..."

Porém, ela abre a boca, séria o tempo todo.

"Não há um título legal para a minha posição. Sou apenas uma aluna....é o que eu queria dizer, mas isso apenas se aplicava até um ano atrás...Meu ponto de vista, é? Eu nunca me abri e o expôs, mas claro, provavelmente só há um jeito de afirmar isso. Eu sou—"

A Otonashi-san, parecendo muito descontente, cospe suas próximas palavras.

"—uma caixa."

"Você é uma caixa? O que quer dizer?"

Quando repito suas palavras por não ter entendido, o olhar da Otonashi-san fica ainda mais severo.

"Haverá várias inconviniências se eu explicar os detalhes, então não vou contar."

Me sinto um pouco insatisfeito, e isso aparentemente é refletido na minha expressão. Após olhar para mim, a Otonashi-san continua.

"Mas lhe direi isso: Eu já obtive e usei uma caixa."

"Eh—!!"

"E o meu desejo ainda está se realizando."

A Otonashi-san tem uma caixa?

"Está curioso sobre a minha razão para procurar pela caixa mesmo assim, não está? Muito bem, lhe contarei. Meu desejo definitivamente foi realizado. Mas ao mesmo tempo, eu perdi tudo."

"...tudo?"

"Família, amigos, colegas, parentes, professores, vizinhos—perdi todos próximos à mim por culpa do meu desejo. Todos com alguma ligação à mim...não estão mais aqui."

Estou sem palavras.

"Isso não é...algum tipo de metáfora, é? Você está falando literalmente?"

"Sim. Não suporto deixar tudo no limbo. Por isso estou agindo."

Ela perdeu tudo. Não tem mais nada à perder. Talvez seja por isso que a Otonashi-san consegue ser tão imprudente e corajosa.

Enfim, desejar por tal situação, droga, que tipo de desejo ela colocou na caixa?

"Não é possível destruir a caixa? O desejo não seria anulado desse jeito?"

"Hoshino," a Otonashi-san responde à minha dúvida reflexiva num tom fortemente repreensivo, "a caixa está realizando meu desejo. Entende? Não me faça falar mais."

Certo. Não é possível que a Otonashi-san tenha inventado isso tudo. Em outras palavras:

A caixa definitivamente tomou tudo dela. Mas mesmo assim—a Otonashi-san não quer abandonar o seu desejo.

Quando fico em silêncio, a Otonashi-san toma a liderança de novo.

"Meu desejo e o desejo do proprietário da Sala da Rejeição não podem coexistir. Sua caixa foi criada desse jeito. Então elas repeliram uma à outra quando eu entrei aqui e a interferência contra mim foi reduzida. Mas ainda assim é apenas uma 'redução' na interferência. Ou seja, não sou imune aos efeitos da Sala da Rejeição. Até mesmo eu não sei a extensão do seu impacto em mim. Se eu desistisse, também seria capturada pela Sala da Rejeição...assim como havia dito à você antes, lembra?"

Se esse é o caso, como o proprietário vê a Otonashi-san? No mínimo, ele não deve ficar muito feliz com sua presença.

"Finalmente você deve ser capaz de entender a situação um pouco melhor agora, então voltarei ao nosso tópico original. Acho que não é mais possível recuperar a Sala da Rejeição e usá-la. Essa caixa já é utilizada pelo proprietário, então não há nada de errado e acabar com a Sala da Rejeição."

"E como fazemos isso?"

"Arrancando a caixa do proprietário. Alternativamente, destruí-la junto do seu proprietário. Isso é tudo. Outra possibilidade seria...encontrar ele, o distribuidor da caixa, já que ele pode ser capaz de fazer algo. Mas ele não vai estar dentro da caixa, então essa não parece ser uma opção viável."

O distribuidor da caixa?

Estou prestes a perguntar sobre ele—e paro.

Não lembro desse "*" eu já deveria ter encontrado, e também não quero.

"......então nada acontecerá até que encontremos o culpado, certo?"

"Oh? Nada acontecerá, você diz, é? Então você simplesmente implicou que toda nossa conversa até agora foi completamente inútil, não construtiva e uma perca de tempo, é? Que garoto corajoso."

"N-Não! Só queria confirmar..."

"Hmph, então você acha que seu conhecimento e vontado podem resolver um problema que nem mesmo eu consegui? Tenho certeza que expôs seu comentário com uma ideia em mente, certo?"

"Ugh…"

Me pegou. Não tenho ideia nenhuma.

"Voltando à relevância—se eu soubesse disso, então não haveria como o proprietário me evitar. Mas, é...diferente das outras mortes, a morte do proprietário não será perdoada dentro da Sala da Rejeição. Por exemplo, eu morri incontáveis vezes dentro dessa Sala da Rejeição mas cá estou e não perdi minha caixa."

"Mas com o proprietário é diferente?"

"Sim, é. O proprietário e a caixa são conectados. No instante que o proprietário morrer, a Sala da Rejeição será destruída. Isso com certeza é verdade, já que conheço um caso parecido. A caixa quebrará no momento que o proprietário morrer, ao mesmo tempo as características da Sala da Rejeição serão aniquiladas, e o conceito da morte real será restaurado."

"Então ele ficará morto se isso acontecer...?"

"Exato."

"Então podemos dizer que não sou o culpado. E você obviamente não é a culpada também."

"Bom, sim."

Então a Mogi-san também não pode ser a culpada. Digo, a Mogi-san já sofreu aquele acidente.

"Ei, alguns de nossos colegas desapareceram, certo? Isso tem algo a ver com a morte dentro da caixa?"

"...Não sei dizer ao certo, mas não deve haver conexão alguma. Ainda não sei por que está acontecendo, mas provavelmente é outra característica da Sala da Rejeição."

—espere!

Subitamente percebo—há um modo simples de identificar o culpado.

Ao mesmo tempo, sinto meu sangue abandonando meu rosto. O que estou pensando? Isso é deplorável. Mas, mas—

Aya Otonashi. Ela conseguiria fazer isso.

Não posso contar à ela. Mas por que a Otonashi-san não percebe esse método? Não é possível que ela não tenha notado. Mas ela não usou. Isso significa...O que isso significa—?

"Hoshino."

Meu corpo todo treme quando ela chama meu nome.

"O que está pensando? Não é possível que você tenha pensado em um modo de achar o proprietário—"

Meu corpo treme de novo.

"—então você pensou mesmo em algo, Hoshino?"

"Ah, não—"

"Esconder é inútil. Quanto tempo acha que eu passei junta à você? Estive perseguindo você mais do que qualquer um nesse mundo. Com relutância, mas ainda assim..."

Sei disso. Qualquer um perceberia que estou tentando esconder algo.

"——"

Mas não há como eu contar prontamente à ela sobre aquilo.

"Hoshino. Mesmo você deve saber que eu não sou muito paciente."

Ela não vai acreditar em uma mentira qualquer. Mesmo que eu tente evitar a pergunta, com certeza deixarei o método escapar no final.

Mas ainda assim—

"Hoshino!!"

A Otonashi-san me pega pelo pescoço. Ah, que dor. Ela está séria. Bom, claro que está. Afinal, ela aguentou mais de 20,000 loops para obter a caixa.

"Me conte!! Me conte o método!!"

Com certeza vou me arrepender se contar. Mas posso mesmo me manter em silêncio numa situação dessas?

"...só precisa matar todos os nossos colegas."

Contei.

É simples. Se excluir cada pessoa que morreu no mínimo uma vez da lista de suspeitos, fica fácil. Só precisa matar cada suspeito. Uma solução simples e maligna.

Mas quem morrer aqui ressuscitará.

Não há com o que se preocupar. Eu nunca conseguiria executar tal plano, mas tenho certeza que a Otonashi-san conseguiria.

Afinal, ela até mesmo produziu cadáveres à fim de manter as lembranças.

Mas esse plano não passou mesmo na mente dela? Por que ela não pensou em matar para encontrar o culpado e também manter as lembranças? E se ela pensou mesmo nesse método ultra-efetivo, por que ela não o executou quando tudo que precisaria seriam aproximadamente 40 iterações?

Ela não responde.

Não demonstra nenhuma reação.

Lentamente olho para seu rosto.

A Otonashi-san ainda está me segurando pelo pescoço e me encara, sem piscar.

"Isso—"

A Otonashi-san remove quietamente as mãos do meu pescoço.

"Isso—não é um método aceitável."

"…hã?"

"Isso seria como realizar testes médicos em um ser humano vivo sem consenso. Claro que é mais eficiente usar um humano se você quer saber como pessoas são afetadas. Mas o ato deveria ser rejeitado imediatamente como um método inaceitável."

A Otonashi-san solta estas palavras com uma voz baixa sem desviar o olhar por um segundo.

"Quer saber por quê? Não precisa nem dizer: tal ato é inumano. O momento em que alguém faz tal coisa, não se é mais humano....é, sou uma caixa afinal. É por isso? Por isso que você está—"

Os olhos da Otonashi-san estão sem dúvidas queimando em ódio.

"—me tratando como inumana!?"

Aah, claro, se ela interpretou meus comentários desse jeito, sua fúria é natural. Percebo que estava falando sem pensar.

Mas ainda não entendo.

"Mas você matou pessoas para manter suas lembranças, não matou?"

"......do que está falando?"

A Otonashi-san parece incapaz de aguentar minhas palavras e me lança um olhar afiado.

"...c-como eu disse, você causou eventos extremos para provocar impressões fortes à fim de manter suas lembranças, não é?"

"Chega de me insultar—!! Não acabei de explicar pra você?! Só consigo resistir à Sala da Rejeição porque sou uma caixa!"

Aah, é. Ela manter suas lembranças produzindo e contemplando cadáveres era apenas uma das teorias sem base do Daiya.

Ainda assim, não consigo compreender suas ações.

"Que cara é essa? Se tem algo à dizer, fale de uma vez!!"

A Otonashi-san me toma pelo pescoço mais uma vez e fecha a cara para mim, mas dessa vez, eu encaro de volta.

É...eu não me preparei. Não considerei o que significa encará-la de volta; é um ato muito difícil para eu me envolver.

Estou completamente sobre seu controle. E por saber disso, estou resistindo à ela desse jeito.

Mas digo algo que rompe nosso frágil vínculo.

"Então por que você me matou?!!"

E nossa capacidade de continuar se comunicando é destruída.



Essas palavras quebraram nosso relacionamento irrevogavelmente.

A Otonashi-san parou de falar comigo, e também parou de dirigir qualquer forma de expressão à mim. Completamente. Com a Otonashi-san diante de mim desse jeito, naturalmente fiquei impotente. No fim, não tive escolha a não ser deixar o hotel.

Perambúlo em volta do hotel, mas isso é apenas uma expressão da minha tola relutância. Eu desperdiço meu tempo à toa. Olho para a moto "emprestada" na qual andamos e me afasto. Vou para a loja de conveniência. Compro um chá numa garrafa P.E.T.. Bebo gole por gole. A garrafa se esvazia. Percebo que mal consigo lembrar o que estava bebendo.

Esse pode ser o fim.

Diferente da Otonashi-san, não tenho certeza de quando consiguirei manter minhas lembranças. Se ela não me considerar necessário para seus planos, posso esquecer de tudo e antes que eu perceba, serei jogado para fora da Sala da Rejeição. Então eu sumiria como uma certa pessoa sumiu.

Não consigo ouvir som algum no meu caminho—também não há luz alguma, nem cores.

É como se a pessoa que fez isso tudo não conseguiu finalizar todos os detalhes.

Coloco a garrafa vazia sobre minha boca. Sinto que serei engolido se não fingir que estou bebendo algo. Engolido pelo quê? Não faço ideia.

Do nada, a música do meu artista favorito ressoa na rua silenciosa. O quê?...aah, entendo. É meu celular....meu celular? Então alguém está me ligando? Certo. Certo! Não lembro de ter dado para ela. Não lembro de ter dado meu número à Otonashi-san, mas em algum outro mundo pode ter acontecido!

Tiro meu celular do bolso do meu uniforme.

O nome "Kokone Kirino" é mostrado na tela L.C.D..

Olho para o céu. Como se as coisas fossem dar certo assim! Eu sabia. Mas ter essas expectativas irreais é normal, certo?

Controlo minha respiração e atendo a chamada.

"Ah, oi…Kazu-kun."

Não sinto a vibe de sempre da sua voz, talvez seja só eu. Ou a Kokone sempre agiu dessa forma pelo telefone? Podemos ser íntimos, mas raramente conversei com ela pelo telefone antes.

"Ah, err—"

Sinto que já posso prever a conversa.

Ah, não, eu definitivamente sei o que acontecerá. Só não lembro dos detalhes agora.

"Tem um tempinho livre? Te digo onde me encontrar."

O que ia acontecer em seguida? Como isso tudo acabava mesmo?

"Tenho que contar algo à você, Kazu-kun."


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