Zaregoto:Volume 1: Capítulo 2.1
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Em cima, ainda tem acima, mas do topo só tem abaixo.
1
Essa era uma visão macabra.
Se eu fosse comparar isso com algo…, sim, parecia o desenho do <rio> do Gruber Nolbert. Bem daquele jeito, um rio de cor mármore arrepiante estava desenhado na metade do lado de cá no atelier da Kanami-san.
Deve ser a tinta que caiu ontem por causa do terremoto, várias latas estão espalhadas e a estante feita de tubos de ferro também estava caída. Por causa do terremoto a estante caiu e as latas de tinta que estavam lá acabaram rolando e espalhando o seu conteúdo. Como resultado temos esse <rio>. Isso é imaginável e, provavelmente, deve ter sido de acordo com essa dedução.
Só isso já é uma visão anormal, mas o problema está na margem de lá do rio. Sobre isso não consegui imaginar, nem deduzir e não tem como isso ser <obra do terremoto>. Não existe um terremoto capaz de fazer isso.
Um corpo de uma pessoa que estava sem o seu pescoço estava caído.
Um cadáver sem pescoço.
Um cadáver com o pescoço cortado.
Não importa como se diga ambas são a mesma coisa.
“…”
O cadáver que estava sem a cabeça estava usando o mesmo vestido que a Kanami-san estava usando ontem. Esse vestido chique que a Kanami-san afirmou que não o sujaria, agora estava com uma cor vermelha escura devido ao sangue que escorreu e nunca mais deve voltar a sua cor original.
E a pessoa que o vestiria também não existe mais.
Se for expressar isso de uma maneira mais correta.
A pessoa que o vestiria não está mais viva.
“Isso é… nojento.”
Eu acabei sussurrando. Não precisava exprimir isso em palavras, mas no fim, acabei falando.
Cheiro de thinners.
Perto do cadáver caído da Kanami-san, na direção para onde a cadeira de rodas está virada, há um quadro. Como está longe não sei direito, mas parece que o que está pintado no quadro sou eu.
“…”
Essa é uma esplêndida obra. Mesma com essa distância dá para perceber isso. Percebi que não a cabeça, mas o corpo estava assustado. De certa maneira, isso foi mais chocante que o cadáver sem o pescoço.
Lembro da frase que a Kanami-san disse ontem.
Eu não reconheço como artistas as que escolhem as pessoas que observam suas obras.
Faz sentido… Se for assim, não tenho do que reclamar.
Sem sombra de dúvidas a Ibuki Kanami era um gênio.
Tanto que até me fez ficar comovido.
Por isso acabei sentindo ainda mais pena disso. Sentir pena de algo é um sentimento que não tenho há muito tempo, mas eu realmente senti que foi uma pena.
A morte da Kanami-san.
A morte da Ibuki Kanami.
“… Por quê…?”
Sim, a Ibuki Kanami estava morta.
Onde existe algum humano que está vivo mesmo tendo seu pescoço cortado? Até o Rasputin morre se tiver seu pescoço cortado. Além do mais a Kanami-san tinha um corpo de uma pessoa normal.
“De qualquer jeito… Não para deixar as coisas dessa maneira.”
Como ninguém falou nada, eu disse. Olhei para a Kunagisa e ela estava com seu beiço inferior para fora, observando o corpo da Kanami-san misteriosamente, suspeitando de algo. Será que tem algo que ela não está aceitando? Só que agora não é hora de pensar nisso. Se eu tiver que dar uma razão para cada ação da Kunagisa a minha vida vai acabar.
Quando eu fui dar um passo a Kunagisa segurou o meu braço.
“Ii-chan, espera um pouco.”
“O quê? Por quê?”
“A tinta ainda não secou.”
“Hm? Ah, é mesmo…”
Agachei-me e com meu dedo confirmei que era assim mesmo. Meu dedo médio está com cor de mármore.
“Mas agora não é hora de ficar falando isso.”
Tem um corpo cortado na minha frente. Sujar meu tênis é algo muito insignificante.
“Por isso, espera um pouco.”
Depois de falar isso, pensando no que ela ia fazer, a Kunagisa tirou aquele casaco preto e o jogou no meio do rio de tinta. Como um trampolim no meio do rio.
“… Não era um casaco de lembranças?”
“Não tem como trocar o tempo e o lugar, né-?”
Eu pensei em dizer algo a Kunagisa por ter jogado, assim tão facilmente, uma de suas <importantes lembranças>, mas como ela mesmo disse, agora não é hora. Além disso, não tem mais jeito se já foi feito. Sem escolha eu pulei para o lugar do casaco e ao pular mais uma vez cheguei ao outro lado.
“…”
Minha garganta solta saliva1.
Já fazia tempo que não via um cadáver com o pescoço cortado. Tirei minha blusa e cobri o corpo da Kanami-san.
Olhei para o lado da porta—onde todos estão e balancei levemente minha cabeça.
Claro que não é nem preciso falar.
“Todos”, até que a Iria-san finalmente falou. “Será que podemos nos reunir na sala de jantar? Acho que é necessário conversamos sobre várias coisas a partir de agora.”
E assim a Iria-san começou a andar no corredor. Atrás dela, apressadamente, a Rei-san, Akari-san, Hikari-san, Teruko-san, as quatro empregadas a seguem. Depois disso, pouco a pouco os outros também foram saindo do atelier da Kanami-san.
Quem sobrou no final foram eu, a Kunagisa e, –o Shinya-san.
Com um rosto pálido, uma expressão de quem não acreditava, o Shinya-san olhava para a Kanami-san.
“… Shinya-san”, eu pisava no casaco e voltava para o lado da porta. “Vamos. Mesmo que você fique aqui…”
Eu não consegui dizer que isso não tinha sentido.
“Ah… Sim. É mesmo.”
O corpo está ali, mas a mente não. O Shinya-san conseguiu acabar respondendo, mas, no fim, não se moveu. O Shinya-san continuava parado tentando entender a visão na sua frente, como se o seu cérebro estivesse negando o entendimento dessa situação.
Eu entendo isso.
Eu também, caso algo assim aconteça com a Kunagisa ficaria como o Shinya-san. Não, não seria algo assim. Eu iria perder meu autocontrole e choraria sem parar. Isso de acordo com a Maki-san, para eu que <vivo matando minhas emoções> não seria algo imaginável, mas provavelmente, acabaria assim.
Nesse sentido o Shinya-san agora é digno de respeito.
Está pálido, mas não perdeu seu autocontrole. Também consegue conversar comigo. No limite, realmente no limite ainda mantêm sua razão.
É diferente de uma criança como eu.
O Shinya-san é um adulto.
Eu não sei qual era a relação do Shinya-san com a Kanami-san, se era apenas um acompanhante ou se era algo a mais ou a menos.
Mas.
Ontem de noite, aqueles olhos tristes.
E olhando o Shinya-san agora, até que dá para entender.
“Vamos na frente, Ii-chan.”
A Kunagisa puxou o meu braço, agora para se mover.
“… É mesmo.”
E assim o ato dos dias de tranqüilidade nessa ilha acabou.
E o próximo ato vai começar.
2
A manhã do quarto dia começou muito, mas muito normal.
Eu acordei como sempre. Quando fui ao quarto da Kunagisa, ela já estava acordada e de frente para os computadores. Parece que ela estava mandando um e-mail. Se nem menos dizer bom dia, a Kunagisa disse: “Amarra meu cabelo” e por isso fiz duas tranças. É o dito twintail. Se for assim é fácil para ela desfazê-las também.
A Kunagisa disse que “Hoje to com vontade de tomar café” e por isso nós dois fomos à sala de jantar. No caminho quando dei uma olhada na sala de estar a Maki-san e o Shinya-san ainda estavam de frente um pro outro e tomando vinho. Pelo jeito passaram a noite em claro. Achei que eles não deviam se esforçar pensando na idade deles, mas obviamente não disse nada.
Convidei os dois para tomarem café juntos, por questão de educação, e como os dois aceitaram, nós quatro fomos em direção a sala de jantar. Ali, na mesa redonda estavam a Akane-san e surpreendentemente a Iria-san também.
“Olha, que surpresa” e a Iria-san disse. “Todos se reunindo de manhã…, parece que isso é inevitável. Aproveitando essa ocasião que tal chamar o resto? De vez em quando não é ruim tomarmos café todos juntos.”
Depois de falar isso a Iria-san conversou um pouco com a Akari-san que estava ali perto e pediu que ela chamasse a Yayoi-san que estava na cozinha e as outras empregadas.
“Então eu vou chamar a Kanami” e disse o Shinya-san. “Ela já deve ter acabado seu trabalho. Ah, mas será que ela está dormindo… Bem, ela consegue acordar sem problemas. Mesmo que tenha aquela personalidade ruim.”
O Shinya-san riu um pouco de sua própria frase e ao me olhar, “Espere ansioso pela sua pintura”, disse isso e saiu da sala de jantar.
E então eu e a Kunagisa iríamos tomar café com todos juntos pela primeira vez nessa ilha, mas—isso acabou não acontecendo.
O Shinya-san que voltou a sala de jantar deu o aviso sobre a morte da Kanami-san.
“A Kanami foi… assassinada.”
O Shinya-san usou essa expressão, mas pensando bem usar isso para aquele tipo de cadáver é raro. Afinal não tem nada do pescoço para cima. Não pode ser morte por doença ou acidente ou suicídio.
Mas…
Mesmo assim.
Assassinato.
Além disso, esse não é um assassinato qualquer—
“Eu…, deixa eu ver. Depois da janta fiquei sempre junto com a Kunagisa. Depois de emprestar a banheira da Kunagisa, ela disse que estava com fome e por isso fomos para a sala de estar. No caminho acho que encontramos a Akari-san. Não é? Sim. Na sala de estar estavam a Hikari-san, a Maki-san e o Shinya-san–, e daí… Terremoto. Teve o terremoto, certo? Até o terremoto acontecer eu estava na sala de estar. Depois levei a Kunagisa pro quarto dela e… Dormi. De manhã acordei as seis e depois disso estava sempre com a Kunagisa.”
Sentindo o olhar penetrante de todos, eu respondi o mais calmamente possível.
Investigação sobre álibis.
Não sei porque eu tinha que começar, mas a dona da mansão, a Iria-san disse <Então comece por você, por favor>, então não tinha jeito. Pelo jeito para a Iria-san eu sou o principal suspeito.
Sala de jantar.
Enquanto comíamos a refeição que já tinha se resfriado um pouco.
Mas por todos terem acabado de ver aquele cadáver sem pescoço, não estão comendo muito. Eu também sinto isso, mas como a comida da Yayoi-san é muito deliciosa, não tem como não comer nada.
Mesa redonda.
Iria-san, Rei-san, Akari-san, Hikari-san, Teruko-san, Akane-san, Maki-san, Yayoi-san, Shinya-san, Kunagisa Tomo e eu. Todos estão nas suas posições. Mas na posição das cinco horas, só a cadeira da Kanami-san estava vazia. E ela vai continuar para sempre assim.
A Iria-san depois de ouvir o que eu disse, inclinou um pouco seu pescoço e ao olhar para a empregada que estava sentada na posição da uma hora perguntou: “Hikari, isso é verdade?”
“Sim”, assentiu a Hikari-san. “Até o terremoto acontecer—mais ou menos uma hora? Era uma da manhã. Nós cinco estávamos conversando. Isso eu posso garantir.”
“Mas não teve ninguém que saiu por algum tempo?”
“Não”, a Hikari-san assentiu sem muita confiança. “—É o que eu acho. Assim, se tiver que afirmar isso, fica um pouco complicado.”
“Não teve ninguém” e a Kunagisa a ajudou. “Como a memória do Bokusama-chan é perfeita, não tem erro. Ninguém saiu da sala de estar.”
“É mesmo”, e a Iria-san fechou seus olhos.
“—Então, você e a Kunagisa-san, o Sakaki-san e a Himena-san, e a Hikari conseguem provar que tem álibis até o terremoto, certo? E depois do terremoto?”
“Como eu dormi sozinho, não tenho nenhum álibi.”
“Muito obrigado. –Então, eu devo começar falando sobre meus álibis, não é? Ontem a noite, eu junto com a Rei e a Sashirono-san, estávamos nós três no meu quarto conversando. A refeição de ontem estava mais deliciosa que o normal e por isso estava perguntando sobre a receita. Não é, Sashirono-san?”
A Yayoi-san se assustou ao ouvir seu nome, mas logo depois respondeu que,
“Sim.”
E assentiu.
A Rei-san fez um gesto de encolher um pouco os seus ombros, mas no fim ficou em silêncio. Em uma situação como essa, acabei pensando que ela até que era cool. Nem preciso comentar sobre a Teruko-san, mas parece que a Rei-san também tem a natureza de ficar em silêncio. Não sei se é por ela ser fiel ao seu trabalho ou porque ela tem uma personalidade desse tipo.
“Teve o terremoto…, e aproveitando isso eu voltei para o meu quarto.”
A Yayoi-san como se estivesse relembrando, contou isso hesitantemente.
“É mesmo”, assentiu a Iria-san. “Eu e a Rei depois disso ficamos conversando até de manhã. Como logo a Kunagisa-san vai voltar, se não devíamos fazer algum evento divertido…, uma festa de despedida. É o que sempre fazemos. E como perdemos o timing para dormir, decidi aproveitar para tomar café…”
Isso quer dizer que o álibi da Iria-san e da Rei-san é perfeito. A Yayoi-san tem um álibi assim como eu e a Kunagisa, até antes do terremoto.
“O álibi meu e do Shinya-san também está completo”, disse a Maki-san.
“Antes do terremoto a Kunagisa-chan pode provar e depois disso eu e o Shinya-san podemos provar um do outro, né…? Álcool é maravilhoso.”
Será que dá para confiar no que uma bêbada fala? Como se a Maki-san tivesse percebido o que eu tinha acabado de pensar ela olhou fixamente para mim. Mas não falou nada e pediu o apoio do Shinya-san, “Não é?”
“Ah… Sim, é mesmo.”
E o Shinya-san assentiu com uma expressão vazia.
“Fun… Hikari? O que você fez depois do terremoto?”
“Eu voltei para o quarto. No quarto estavam a Akari e a Teruko… E depois fui dormir. Acordei as cinco e voltei ao…”
“Então, e a Akari e a Teruko? Akari, responda.”
“Como nós não tínhamos mais trabalho depois da janta…”, A Akari-san colocou uma de suas mãos na sua bochecha e como se estivesse pensando respondeu. “Fiquei junto com a Teruko no quarto. Teve o terremoto…, e logo depois a Hikari voltou e aproveitamos isso para dormir.”
“As três ficam no mesmo quarto?”
Eu fiz essa pergunta e a Akari-san não achou que eu falaria algo assim e por isso ela olhou assustada para mim.
“… Sim. Nós, três, ficamos no mesmo quarto. Tem, algum problema?”
“Não.”
É só curiosidade. Eu abaixei minha cabeça para a Akari-san. Pensei em continuar e perguntar se elas dormiam sob o mesmo cobertor, mas decidi me conter.
Fun…
E isso quer dizer que o álibi da Akari-san e da Teruko-san até antes do terremoto também está completo. Mesmo que depois elas tenham dormido e por isso não tem como provar algo a mais.
A Teruko-san assentiu levemente ao que a Akari-san disse e acabou não falando nada mesmo. Dá a impressão de que ela está concordando, mas é difícil de perceber.
“Parece que a situação ficou um pouco complicada…”
A Iria-san olhou para a última, a Sonoyama Akane-san,
“E você?”
E.
Perguntou.
“O que estava fazendo ontem à noite?”
Como se ela estivesse protegendo tudo o que estava acontecendo, a Akane-san que estava com os braços cruzados e em silêncio, soltou um “Fuu”, sem nenhuma emoção e abriu somente um dos seus olhos.
“Como se pode deduzir do que todos falaram até agora e como meu nome não apareceu até agora isso acabou se tornando óbvio… É, eu estava sozinha.”
A Akane-san disse isso como se estivesse confessando. “Depois da janta eu fiquei sozinha no quarto de frente para o computador. Estava fazendo um trabalho de modelagem…, Bem, vamos deixar os detalhes de lado. Tem o log, então ele pode se tornar minha prova, mas como dá para mudar ele sem grandes problemas, não dá para dizer que serve como álibi.”
“Eu não sei muito sobre computadores. Kunagisa-san como é?”
A Kunagisa ergueu a cabeça “Hm?” (nesse tipo de situação e ela estava distraída), e respondeu a pergunta da Iria-san.
“U-n. Acho que para qualquer um que tem um pouco de habilidade consegue alterar facilmente o log. A Akane-chan sabe mexer bem com computadores?”
A Akane-san acabou sorrindo ao ouvir isso.
“Não há significado em eu responder a essa pergunta.”
“Ah, é mesmo”, assentiu a Kunagisa ao perceber que a Akane-san estava certa. “Hmm. E també-m. Se um amador usar algum programa, até ele pode alterar o log. Não é muito complicado… E tem software em qualquer lugar.”
“Tem alguma maneira de saber se o log foi alterado?”
Essa foi minha pergunta.
“Tem. Mas também dá para enganar ele. Já que a princípio tudo é possível no computador. Tentar estabelecer um álibi com isso é um pouco complicado.”
Kunagisa Tomo.
Kunagisa Tomo que foi convidada a essa ilha por ser líder do
A Akane-san soltou um “Fazer o que”.
“Só que eu vou ter que me defender. Já que eu também me importo comigo. … Vou falar desde já, mas eu não sou a culpada. É certo que eu odeio pintores, mas não acho que eles tenham valores a ponto de merecerem serem mortos. Pelo fato deles já estarem vivos, eles já estão mortos. Não é necessário eu fazer algo. Por isso vou dizer que não vi nada (Mioboe ga Nai).”
Ela provavelmente confundiu com <Mi ni Oboe ga Nai> (Não tenho relação com isso), mas pela atitude dela não dava para ver que ela estava blefando ou se forçando a falar aquilo. Não acho que seja encenação.
“Hmm. Então… Esperem mais um pouco. Agora estou tentando arrumar as coisas dentro da minha cabeça.”
“Ah, antes disso espere um pouco”, isso se tornou em uma conversa estranha (olha só, antes de <esperar um pouco>, eu disse <espera um pouco>), mas eu perguntei a Iria-san. “Bem… Iria-san. … O que você está querendo fazer?”
“Sim?”
“Desde o começo já estava meio estranho, mas…, claro que essa é a sua ilha, essa é a sua mansão e por isso eu não deveria ficar me intrometendo…, afinal eu nem sou um convidado. Mas ainda assim vou perguntar. Iria-san o que você está querendo fazer?”
“O quê? Claro que uma dedução.”
A Iria-san sorriu levemente. E continuou: “Se você ver aquilo é óbvio, certo?”
“A Ibuki-san foi morta por alguém. E nesse caso, esse alguém é alguém que está nesse lugar, certo? É como você disse. Essa é minha ilha, essa é minha mansão. Dentro dela uma das minhas convidadas foi morta e o culpado está aqui dentro. Você acha que posso deixar a situação assim?”
Com um sorriso a Iria-san olha para todos.
É com certeza conforme o que a Iria-san disse. Essa é uma ilha distante e isolada. Ilha distante e isolada, uma ilha sem pessoas, um espaço fechado.
Corvo de Asas Molhadas.
Se haviam doze pessoas e uma foi morta, é óbvio que dentro das outras onze pessoas está o culpado. Isso é algo que até um aluno do primário entenderia. E—
“Ainda assim…, alguém morreu de novo.”
A Iria-san disse isso enquanto suspirava.
Hm?
De novo…? Ela disse de novo? Agora.
“E por cima é um cadáver sem pescoço… Será que essa ilha não está amaldiçoada? Himena-san. Não tem como adivinhar sobre isso?”
A Maki-san respondeu rapidamente, “Quem está amaldiçoada é a Iria-san. A ilha em si é só uma ilha. Se tem alguém que está amaldiçoado só pode ser a Iria-san.”
Essa foi uma frase que faria qualquer um ficar de mau humor, mas a Iria-san “Pode ser mesmo” e sorriu estranhamente.
Ah, faz sentido… Eu tinha dúvida de como a Maki-san conseguia com aquele jeito de falar se dar bem com todos, exceto eu, mas…, é isso. Todos que estão nessa ilha, todos, não dão muita bola para o que os outros falam.
“Hmm. Mas até que esse incidente é simples”, disse a Iria-san. “Não é nem preciso deduzir. Não acham? Afinal… O horário do incidente está praticamente definido.”
“É mesmo?”
“É sim. Até você viu, não foi? Por causa do terremoto a tinta caiu e do lado de lá estava o cadáver da Ibuki-san. Quanto de largura você acha que tinha aquele rio de tinta?”
Como ninguém respondeu, eu respondi.
“De vista, devia ter por volta de três metros.”
“Sim…, Não é tanto, mas não é possível pular por ele. Por isso, é possível afirmar que o incidente ocorreu antes do terremoto.”
Como o terremoto aconteceu, aquele rio de cor mármore surgiu. Isso significa o quê? Que o tremor foi mais forte do que o esperado. Mas não é só isso.
Aquele rio… O verdadeiro significado daquele rio é.
“Espera um pouco”, a Akane-san entrou na conversa. Com uma expressão um pouco complicada. “Esse não é um desenvolvimento muito agradável para mim Iria-san. Afinal—“
Afinal.
Antes do terremoto, todos com a exceção da Akane-san possuem álibis.
Eu sempre estava com a Kunagisa. O mesmo vale para a Hikari-san, a Maki-san e o Shinya-san. A Akari-san e a Teruko-san. E por fim, a Iria-san, a Rei-san e a Yayoi-san. Cada um tinha como provar que tinha um álibi.
O que a Iria-san disse está correto. Não acho que seja possível pular por cima daquele rio cor de mármore que se formou por causa da tinta que caiu devido ao terremoto. Atravessar o rio, sem pisar nele e sem deixar nenhuma marca é virtualmente impossível.
Então.
O horário do crime fica limitado até o terremoto ter acontecido. E nesse horário somente a Akane-san não tem álibi. Com certeza esse não é um bom desenvolvimento para a Akane-san. Depois da Akane-san soltar um “tsc”,
“Iria-san vou ir direto ao assunto, mas você acha que eu sou mesmo a culpada?”
E perguntou direto ao assunto.
“Sim” e a Iria-san respondeu sem nenhum problema também. “Afinal, não pode ser mais ninguém.”
“…”
A Akane-san se desviou do olhar da Iria-san e ficou calada. A Akane-san deve estar querendo retrucar, mas parece que nem um cérebro das Sete Tolas conseguiu achar algum argumento plausível. Eu tenho um pouco, só um pouco de ligação com a Akane-san, então até quero ajudá-la, mas se uma das Sete Tolas não consegue encontrar algum argumento, não tem como eu, alguém que saiu no meio do programa conseguir.
Por certo tempo ficou um ar pesado entre as onze pessoas, mas quem quebrou isso foi a Kunagisa.
“Isso está errado”, disse a Kunagisa. “Essa linha de raciocínio está errada Iria-chan.”
“Olha, porque será?”, a Iria-san se dirige a Kunagisa estando, não sei porque, um pouco feliz. “Ah…, faz sentido. A Kunagisa-san quer dizer que há possibilidade do crime ter sido causado por cúmplices, certo? Com certeza isso é possível… Se for assim, a relação entre os álibis fica um pouco duvidosa.”
“Não é isso. Mesmo se não pensar nessa alternativa, a linha de raciocínio da Iria-san está errada. Não é Ii-chan?”
“Eh?”, acabei soltando a voz, por achar que a conversa não viria pra cá. “… Errado?”
“Sim. Ii-chan explique. O que aconteceu ontem de noite.”
“Ontem de noite… O quê aconteceu?”
“…”, a Kunagisa ficou em silêncio, como se ela estivesse decepcionada. Isso é algo bem raro. “…”
“… Não tenho escolha. Ao contrário de você eu não tenho uma boa memória.”
“Como pode… Não lembra mesmo? Então isso não quer dizer que o Ii-chan tem uma memória ruim e sim, que o Ii-chan não tem memória. Como é que alguém esquece algo tão importante assim. Olha, foi depois do terremoto. O Shinya-chan não telefonou para a Kanami-chan?”
“… Ah.” “Ah.” “Ah!”
A Hikari-san, o Shinya-san e eu ficamos com caras de surpresos.
É mesmo. Depois do terremoto, o Shinya-san telefonou para a Kanami-san. E confirmou que a Kanami-san estava bem. Confirmou que não tinha acontecido nada demais.
Faz sentido. Isso é, como a Kunagisa disse, um fato importante. E então… Como fica? Se for assim, como fica a situação?
“Isso quer dizer que a Kanami-san foi morta depois do terremoto.”
“Espera um pouco”, disse a Iria-san um pouco perplexa e mostrando uma das mãos na direção da Kunagisa. “Mas, o rio de tinta…”
“Então Iria-chan, isso quer dizer isso.”
Depois de dar certo tempo a Kunagisa disse.
“Aquele atelier estava em uma situação de quarto fechado.”
Por um instante todos olharam um para o outro.
Com certeza é impossível pular por aquele rio de tinta. A largura deve dar uns três metros. Não é como se não desse para pular por essa largura, mas não tem espaço para correr. Se for assim é óbvio, que como a Iria-san disse, que o horário do crime fica definido como sendo antes do terremoto, mas isso é negado pelo Shinya-san. Depois do terremoto a Kanami-san não tinha sido morta, muito menos tinha tido seu pescoço cortado…
“Sakaki-san”, a Iria-san pergunta a ele. “Aquela era mesmo a Ibuki-san?”.
O Shinya-san estava com um rosto pálido e parecia estar confuso, mas depois ele assentiu.
“Sim… Aquela era com certeza a Kanami. Não tem erro. Que ela estava trabalhando…, que a tinta tinha caído e a situação estava meio complicada, ela estava falando coisas desse tipo. Por isso… Só posso dizer que mesmo depois do terremoto a Kanami estava viva.”
“Eu também ouvi o Sakaki-san conversando no telefone”, e a Hikari-san disse isso para a sua chefe, a Iria-san. “Ele me disse para emprestar o telefone e… Por isso acredito que a Ibuki-san ainda estava viva naquele momento.”
“É, naquele momento, ainda…”
Depois de falar isso se culpando o Shinya-san segurou a sua cabeça.
“Se naquela hora, eu, não tivesse sido preguiçoso e tivesse ido até o atelier… Merda! Mas que desgraça… Mas que desgraça é essa…!”
“…”
Não tenho nada a, dizer. No fim, o que mais dá medo não são terremotos ou raios ou incêndio, é só isso. É só sobre isso.
Se sentir arrependido parece que é um ato que tem o significado de fazer o coração descansar. Se você se arrepender agora, você consegue fugir do problema que está logo a sua frente. Tudo de ruim foi feito por você no passado e por isso não é culpa sua.
Quando você se sente arrependido você consegue se sentir como se estivesse certo.
Não é como se a atitude do Shinya-san fosse de todo ruim. Como um ser vivo a linha de raciocínio dos humanos é dessa maneira. O fato de que eu considero o coração dos humanos como sendo uma máquina é algo muito pior.
“Então isso se tornou em uma conversa estranha”, disse a Akane-san enquanto ela tocava na sua testa. “Pelo testemunho do Shinya-san, da Hikari-san e da Kunagisa-san o horário do crime fica limitado como sendo depois do terremoto. Só que depois do terremoto tem aquele rio de tinta. Se for assim, não tem ninguém que possa tê-la matado. Assim—“
“É isso mesmo Akane-chan”, A Kunagisa disse isso com sua boca um pouco comprimida. É a Kunagisa Tomo começando a ter só um pouco de interesse. “Essa é uma conversa muito estranha.”
“Quarto fechado, isso quer dizer que—“, e a Iria-san assenti como se tivesse entendido. “Fun. Aquela tinta, pelo que me lembre, ainda não está completamente, seca… Então ao tentar passar pelo rio é impossível não deixar alguma marca… Hmm. Akari. Onde fica o telefone interno do atelier da Ibuki-san?”
“Ao lado da janela em cima da estante do telefone.”
A Akari-san respondeu claramente.
Hmm, e a Iria-san continua pensando com os braços cruzados.
“Kunagisa-san. Se você criou essa pergunta, isso não quer dizer que você já sabe a resposta? Já sabe quem é o culpado…”
“Não sei.”
A Kunagisa disse com bastante confiança e riu.
Claro que eu também não sei.
Ninguém sabia.
“E a janela? Não dá para pensar que alguém entrou pela janela?”
Pergunta do Shinya-san. Quem respondeu foi a Hikari-san.
“É no segundo andar. Não acho que seja possível. E senão me engano aquela janela só pode será aberta com a chave pelo lado de dentro…”
“Isso quer dizer que por fora não tem nenhuma maneira, então?”
Em relação a minha pergunta a Hikari-san respondeu curtamente com um “Provavelmente”.
Faz sentido. Janela não é, entrada não é. Não pode ter sido antes do terremoto, nem depois do terremoto. Então…
Okay.
Isso significa que chegamos a um beco sem saída.
Todos ficaram em silêncio—e, concentraram seus olhares na direção da Akane-san.
“Hm?”, a Akane-san respondeu a isso um pouco surpresa. “—Ué. Tinha pensado que já tinha ficado claro que eu não era mais uma suspeita.”
“Não é bem assim”, disse a Iria-san. “Afinal passar sobre aquele rio é fisicamente impossível, não? Então o horário do crime é mesmo antes do terremoto.”
“E o testemunho do Shinya-san?”
“Dá para dizer que isso foi um engano. Foi uma ilusão ou algo do tipo.”
Ilusão? Nonsense. É muito nonsense. Por isso eu disse: “… Não importa como esse é um pensamento muito forçado”. Mas a Iria-san sem se importar com isso “Não acho” e disse.
“Mesmo que não seja uma ilusão, pode ter sido algum tipo de equívoco. É impossível atravessar aquele rio. Por isso dizer que o horário do crime foi antes do terremoto é um pensamento lógico, não é? E por isso a única que pode ser a culpada é a Akane-san.”
“Ficou difícil—“, e a Akane-san disse com um sorriso realmente preocupado. “Se eu for tentar me defender, posso dizer que considero o álibi da Akari-san e da Teruko-san um pouco suspeito. Como as duas testemunhas são da mesma família, isso não teria valor perante a lei.”
“Não estamos falando de leis.”
A Iria-san disse isso firmemente. A Akane-san parecia ter previsto isso e por isso assentiu com um “É mesmo.”
“—Mas, não acho que seja justo definir um culpado só por exclusão. É idiota. E não considero uma atitude lógica desconsiderar forçadamente o testemunho do Sakaki-san, Iria-san. Isso é chamado de pensamento seletivo.”
“Pensamento seletivo?”
A Akane-san olhou para mim de relance. Parece que quer eu explique.
“É viés de confirmação”, na frente da <Senpai> não dá para parecer mal, então eu faço de tudo para relembrar o conhecimento que adquiri na época de pesquisas. “Isso quer dizer que você escolhe os testemunhos e as provas que a favorecem e considera as outras ruins como sendo erros e por isso não as considera. No teste de habilidades sobrenaturais—“
Acabei olhando para a Maki-san.
“—É bem usado. É o Dry Love. Você só se foca nas provas que reforçam o que você quer, mas ignora completamente as que não reforçam e assim você progride com a história de forma simples, de acordo com o seu dese—“
“Não consegui entender.”
Só porque eu tinha me lembrado bem desse assunto, a Iria-san não escutou até o fim. Estou me sentindo um pouco vazio.
A Akane-san soltou um grande suspiro: “Fuu”.
“Com certeza eu e a Ibuki-san nos dávamos muito mal—“
Lembro da discussão agressiva que a Akane-san e a Kanami-san tiveram na noite anterior durante a janta. Com certeza aquilo dá uma razão para que isso tenha acontecido. A Iria-san não deve estar duvidando da Akane-san somente por causa dos álibis, mas também levando isso em consideração.
Claro que não é como se não desse para entender os sentimentos da Iria-san. Se você levar em conta o testemunho do Shinya-san, não tem como você duvidar da Akane-san.
Crime impossível de ser praticado. Nenhum suspeito. Uma vítima e nenhum suspeito. Não pode existir uma situação dessas. Por isso para sair dessa situação…
“No fim, o testemunho do Sakaki-san fica um pouco suspeito mesmo, não é?”, a Iria-san disse isso enquanto olhava na direção do Shinya-san. “Mesmo que não seja mentira, pode ter sido imaginação, ou um sonho ou qualquer coisa do tipo.”
“Mas eu ouvi ele conversando.”
Em relação a essa resposta da Hikari-san, a Iria-san balança a cabeça.
“Você ou a Kunagisa-san ou os outros não ouviram a voz da Ibuki-san, certo? O único que ouviu a voz da Ibuki-san diretamente foi o Sakaki-san, então…”
“Isso…”, e o Shinya-san tentou levantar a voz para se defender, mas como ele não tinha como provar o contrário, acabou ficando em silêncio. “…”
“Fun. Se for assim, só resta duvidar de mim. Com certeza esse tipo de raciocínio como esse tipo de raciocínio também existe.”
A Akane-san disse isso como se não fosse algo relacionado a ela. Isso realmente não parecia ser uma falsa amostra de coragem ou uma encenação. Sonoyama Akane, uma das Sete Tolas do Sistema ER3. Esse tipo de problema é algo com o qual ela já deve estar acostumada.
“Mas ainda assim não tem provas. Iria-san, mesmo que essa seja a sua ilha, essa seja a sua mansão, sem nenhum prova você não pode me tratar como a culpada. Não me importo de não estarmos conversando em questão das leis. Mas também não estamos conversando sobre qualquer caso de dedução de qualquer livro de raciocínio, certo? Você não pode me condenar como sendo a culpada pelo viés de confirmação ou por exclusão que são tão simples que nem tem fórmulas. Ninguém pode.”
“Mas Sonoyama-san. Você também não tem como provar que você não é a culpada, certo?”
“Fica complicado pedir provas a partir de quem é considerado suspeito… Iria-san, provar algo que você não pode provar, não é provar. Quem suspeita dos outros é quem deve provar Iria-san, e não o contrário.”
“Isso também é com base nas leis.”
A Akane-san balança seus ombros.
“Então o que vai fazer? Iria-san. Aceito o fato de eu ser considerada como a principal suspeita. É isso mesmo. Não tenho nenhum álibi antes do terremoto, é isso mesmo. Depois do terremoto ninguém pode entrar no atelier, e é isso mesmo também. Então pode ser que duvidar do testemunho do Sakaki-san também seja válido. Então. Com isso o que você vai fazer?”
Então.
O que você vai fazer?
“… O que será que eu faço?”
A Iria-san olhou para todos com um rosto de quem não sabia o que fazer. Ao que parece ela não tinha pensado em nada depois disso. Desenvolvimento decepcionante. A Akane-san disse: “Pode me entregar à polícia, faça como seja a sua vontade”, enquanto tocava seu cabelo.
Polícia… A Akane-san que é uma das Sete Tolas do ER3?
“Eu odeio a polícia…”, a Iria-san ainda mais sem saber o que fazer, olhou para o teto. “O que fazer agora…”
Novamente voltou um ar pesado.
Eu falei com uma voz baixa com a Kunagisa.
“… Ei, Tomo.”
“O quê foi? Ii-chan?”
“Tem alguma maneira de terminar esse julgamento de bruxa?”
“Tem.”
“Tem mesmo.”
“Tem, só que”, e a Kunagisa olha para mim. “É melhor que quem fale isso não seja Bokusama-chan, mas o Ii-chan.”
“… É mesmo.”
Eu assenti e logo em seguida levantei minha mão na direção da Iria-san. A Iria-san fez um rosto de surpresa e “Sim, você”, apontou para mim. Ainda bem. Seria muito ruim se me ignorassem.
“Tenho uma idéia.”
“… O que seria?”
“O quarto que eu estou usando agora…, o que acham? Aquele quarto foi feito de forma que possa ser trancado só pelo lado de fora. Por enquanto que tal deixarmos a Akane-san protegida nele?”
“Protegida?”, a Akane-san me olha com uma expressão severa. “… Você, isso não seria confinamento?”
“Não é como um confinamento. Não é um confinamento…, só, vamos deixá-la afastada. … Iria-san. Acho que agora o que nós mais tememos é essa situação se tornar em um assassinato em série. A Kanami-san foi morta. Okay, isso já foi, isso já acabou. Não é uma boa maneira de falar, mas já acabou. Mas, se a partir de agora alguém morrer fica ruim. Por isso nessa situação a melhor alternativa é afastar o principal suspeito. Se a Akane-san for mesmo a culpada, é óbvio que ninguém mais vai morrer. Se for outra pessoa que usou algum truque—usou algum truque e matou a Kanami-san depois do terremoto, ela não vai conseguir mais agir. Porque se ela agir, isso é igual a dizer que a suspeita que é a Akane-san na verdade é inocente.”
Depois de dar uma pausa, observei a reação de todos.
“Isso quer dizer que vamos criar uma situação de proteção. Vamos criar uma situação na qual o culpado não pode mais agir. Não só a Akane-san, mas todos os outros também. Afinal se levarmos em conta a possibilidade de cúmplices, os álibis não tem tanto valor assim. É um quarto fechado? Só que quartos fechados só existem para serem abertos. Pode ser que haja algum truque. Pode ser que não haja. Tanto faz. Não importa qual dos dois seja. A culpada pode ser a Akane-san, como pode ser qualquer outra. Assim como eu posso ser o culpado, ou eu posso não ser o culpado. Por isso eu acredito que a melhor coisa para se fazer agora é criar uma situação de proteção.”
“Faz sentido. Então é isso.”
Quem disse isso, para a minha leve surpresa, foi a Yayoi-san. “Entendi bem o que você quer dizer. Se eu for dizer, eu digo que sou a favor dessa idéia–ou melhor, não acho que existam provas o suficiente para suspeitar da Sonoyama-san. O pensamento da Iria-san é muito forçado.”
Será mesmo, e a Iria-san inclina seu pescoço.
Sem levar isso em conta a Yayoi-san continua.
“Por isso eu acho que essa é uma boa idéia. Mas, você, não tem como deixar essa situação para sempre, certo? Não vai me dizer que vai deixar a Sonoyama-san confinada em um ambiente ruim como aquele, certo?”
Ambiente ruim, mas eu, estou dormindo lá desde que cheguei aqui.
Merda, sua burguesa.
“… Então, pode ser até a polícia chegar aqui. Mesmo que essa seja uma ilha isolada, no máximo em um, dois dias uma equipe da poli—“
“Não vou chamar a polícia.”
Quem interrompeu minha frase foi a Iria-san.
Eh…? Agora, ela não acabou de falar algo extremamente importante? Essa ojou-sama.
“Afinal, não é? Chamar a polícia nessa situação não tem significado nenhum. Vão considerar a Sonoyama-san como culpada e vai acabar assim. A polícia não vai fazer nada.”
“…?”
O que eu achei estranho não foram as palavras da Iria-san, mas a sua expressão. <A polícia não vai fazer nada>. Porque ela diz isso com uma expressão tão severa assim…?
“… Mas, não dá para deixar as coisas assim, certo? Assim a situação de proteção não tem significado nenhum.”
“Não é bem assim. Isso quer dizer que nessa situação de proteção é só deduzir, certo? Descobrir quem é o verdadeiro culpado com provas e idéias conclusivas, não é?”
“… A Iria-san é quem vai deduzir?”
Se for dizer de alguém que estava ouvindo as <idéias> dela até agora, isso me deixa muito preocupado. Mas, a Iria-san balançou sua cabeça.
“Claro que não. Será que se lembra? Ontem eu não disse?
Em uma semana—daqui a seis dias. Que o dono de um grande talento vai vir a essa ilha.”
O detetive de livros de raciocínio. O favorito da Iria-san—
O hero da Iria-san.
“Aikawa-san vai com certeza solucionar essa situação completamente.”
Completamente. Que expressão. Além disso, a Iria-san não disse isso como um exagero.
“… Mais seis dias”, a Akane-san que estava em silêncio até agora, descruzou seus braços e disse cinicamente para mim. “Mas que seja. Que seja que seja que seja. No fim é isso mesmo. Eu não me considero suspeita, mas se eu fizer isso e a situação vai melhorar, então só me resta fazer. Iria-san. Esse Aikawa é confiável?”
“Sim. Com certeza.”
Com muita confiança, a Iria-san assentiu. Essa foi uma ação que dava para ver que ela tinha completa confiança em relação ao seu herói. Vendo essa Iria-san a Akane-san sem escolha, soltou um suspiro e disse: “Entendi. Vamos fazer isso.”
3
“Será que aquilo foi mesmo o melhor?”
Enquanto eu mexia no cabelo da Kunagisa, sussurrei. Ela quer que eu arrume porque deixar o cabelo amarrado na parte de cima é pesado e faz ela não se sentir confortável. Achei que tinha ficado bonito, mas se a própria não gostou não tem jeito.
Depois daquilo.
Nos separamos e voltamos ao quarto da Kunagisa.
“Acho que foi o melho-r sim. É praticamente a mesma coisa que Bokusama-chan tava pensando. Acho que a Akane-chan deve estar agradecida com isso-. Acho que foi uma maneira bem melhor do que continuar com aquela discussão improdutiva.”
“Será…”
Não acho que a Akane-san tenha sentimentos positivos em relação a mim que deu a idéia de algo parecido com um confinamento. Isso está pesando um pouco sobre a minha consciência. Mesmo que essa tenha sido a única solução, acabo pensando se não havia outra maneira de terminar com aquilo.
“… Terminei.”
“Sanku-.”
Depois de falar isso a Kunagisa foi rastejando até a mesa dos computadores e sentou de costas para mim na cadeira. Ligou os computadores e começou a usar o teclado.
“… Sabe. Acho que acabei fazendo algo ruim pra Akane-san…”
“Pode ser que tenha sido mesmo. Mas também tem coisas que não tem jeito Ii-chan.”
Depois de terminar o café, a Akane-san foi por vontade própria para aquele armazém que eu estava usando. As refeições vão ser levadas por alguma das empregadas e quanto a tomar banho ou utilizar o banheiro alguma das empregadas será chamada através do telefone de linha interna.
A Akane-san pediu uma lâmpada de mesa. Parece que ela vai passar os seis dias lendo os livros que ela trouxe.
Seis dias… Aquele quarto não é um ambiente ruim vendo como um observador. Só que não tem como trancar por dentro, a janela está em um lugar alto e por isso não há maneira de fugir. Nesse sentido é realmente um confinamento.
Período de seis dias.
Passar esse tempo confinado é um pouco longo mesmo…
“Se a Iria-san tivesse chamado a polícia…, se bem que isso não é mesmo necessário. Será que ela está pensando em fazer esse incidente sumir?”
“Mas a Iria-chan está certa. Se a polícia vier, a Akane-chan vai acabar mesmo sendo considerada como a culpada e vai acabar assim. Mesmo que não acabe, ela vai ser considerada suspeita. O Ii-chan também quer evitar isso, né? Afinal, uma das Sete Tolas do ER3 ser considerada uma suspeita de um assassinato não é brincadeira né-.”
“Tomo, você conhece bem o ER3?”
“Só tenho alguns conhecidos lá. Provavelmente o Ii-chan conhece mais.”
“… Mesmo que a Akane-san seja uma das Sete Tolas, não acho que ela tenha privilégio de perdão…”
“Mas sabe-, se for falar assim é pior ainda pra Bokusama-chan, além disso, a Yayoi-chan e a Maki-chan também tem suas posições como gênios. Será que não querem evitar um escândalo desses? Claro que a Iria-chan também. Por isso acho que não chamar a polícia é um pensamento normal.”
“Normal, né…”
Então o que não é normal é a ilha em si. Mas, mesmo assim, pela atitude da Iria-san não acho que seja só isso. Como posso dizer… A Iria-san não quer chamar a polícia por uma questão mais fundamental.
“Será que a Iria-san não tem alguma circunstância que fez ela odiar a polícia…?”
“Sei lá. Porque não pergunta?”
“Não acho que vá conseguir alguma resposta.”
“É mesmo. Mas não dá nada, certo? Quando o favorito da Iria-san, o <Aikawa>, vier esse incidente será resolvido, certo? É só agüentar por seis dias.”
“Mas…”
Se a dona da ilha que é a Iria-san não quer chamar a polícia, então não tem como reclamar. Já que a Akane-san está presa, não deve acontecer mais nenhum assassinato, mas…
“Ei, Tomo.”
“O quê, Ii-chan?”
“Tenho um pedido.”
“Aceito. O que é?”
“Você consegue dar um jeito naquele quarto fechado?”
“Não sei se vou conseguir mesmo dar um jeito, mas como é um pedido do Ii-chan, vou dar um jeito.”
Isso.
Não é necessário ficar seis dias sem fazer nada. Muito pelo contrário, como eu dei aquela idéia, eu tenho o dever de investigar sobre esse incidente.
“É mesmo-. Se nós resolvermos, não tem a necessidade da Akane-chan ficar confinada, né-. Seja a Akane-chan culpada ou não.”
Hm, e a Kunagisa girou a sua cadeira e se virou na minha direção. E me chamando com a mão disse, “Aqui, aqui”. Como pedido eu me levantei e fui à direção do computador.
“Já deixei organizado os álibis de todos até agora.”
Ibuki Kanami – Assassinada
Sonoyama Akane – Antes do terremoto X
Depois do terremoto X
Kunagisa Tomo – Antes do terremoto O (Ii-chan, Hikari, Maki, Shinya)
Depois do terremoto X
Sashirono Yayoi – Antes do terremoto O (Iria, Rei)
Depois do terremoto X
Chiga Akari – Antes do terremoto Δ (Teruko)
Depois do terremoto X
Chiga Hikari – Antes do terremoto O (Ii-chan, Tomo, Maki, Shinya)
Depois do terremoto X
Chiga Teruko – Antes do terremoto Δ(Akari)
Depois do terremoto X
Sakaki Shinya – Antes do terremoto O (Ii-chan, Tomo, Maki, Hikari)
Depois do terremoto O (Maki)
Handa Rei – Antes do terremoto O (Iria, Yayoi)
Depois do terremoto Δ (Iria)
Himena Maki – Antes do terremoto O (Ii-chan, Tomo, Hikari, Shinya)
Depois do terremoto O (Shinya)
Akagami Iria – Antes do terremoto O (Rei, Yayoi)
Depois do terremoto Δ (Rei)
“Por cima, é isso, né?”
“Entendi o que é o xis e a bolinha, mas o que é esse triângulo?”
“Testemunho de mesma família, como a Akane-chan tinha dito. Só pra deixar em check, já que dá pra considerar que a Iria-chan e a Rei-chan, a Akari-chan e a Hikari-chan e a Teruko-chan são mesmo da mesma família. Mas é- aquilo, né, mesmo álibis não tem tanta importância assim.”
A Kunagisa desceu a tela e conferiu mais uma vez.
“A princípio vamos não pensar em cúmplices, certo”, e eu disse. “Também sem levar em conta o testemunho de mesma família. Então dá para tirar da lista de suspeitos de certeza o Shinya-san e a Maki-san… E a Rei-san e a Iria-san.”
Com isso quatro pessoas saem.
Assim, sobram sete.
“Se o testemunho do Shinya-san for verdade, então tem o problema daquele quarto fechado… Mas se isso for mentira, então só a Akane-san pode ser a culpada.”
“Não acho que o Shinya-chan tenha alguma razão para mentir-nya.”
“Então se não é uma mentira, pode ter sido algum engano… Opa.”
Isso não pode.
Estou falando o mesmo que a Iria-san.
“Mas…, vendo como um observador a que parece mais suspeita é a Akane-san mesmo…”
“Vendo assim não tem jeito-. Já que vendo de forma igualitária ou tendo favor a alguém, ela é a única que não tem nenhum álibi. Bem, se não fosse por essa situação ela não aceitaria a idéia do confinamento.”
“Com certeza. …Então, Tomo. Você acha que a Akane-san é a culpada?”
“Não vou dizer até aí. Como a Akane-chan disse, não tem nenhuma prova. Não tem como afirmar quem é o culpado só por eliminação. Ainda não analisamos o cadáver da Kanami-chan também.”
“È… Além disso, é um quarto fechado.”
“Se você pensar no caso do quarto fechado nem a Akane-chan ou qualquer outro poderia ter sido o culpado, né-. Ii-chan, tem alguma idéia sobre isso?”
“Não é que não tenha”, eu disse enquanto pensava. “Se pensar mais um pouco, será que não chego lá? E você, Tomo? Tem alguma idéia?”
“Um monte”, e disse a Kunagisa. “Se pensar mais um pouco será que não acho alguma? Ah. Sim, Sim. Além disso, Ii-chan, Bokusama-chan acho que mesmo que o testemunho do Shinya-san seja verdade ou não, o horário do crime foi depois do terremoto.”
“…? Por quê?”
“Não tinha a pintura do Ii-chan? No atelier. Será que tem como acabar com uma pintura daquelas antes do terremoto? Bokusama-chan acho que não.”
“Isso é…”
Acho estranho. Afinal a Kanami-san era rápida para pintar. Mas se for como a Kunagisa disse, o quarto fechado fica ainda mais completo. Isso não é um desenvolvimento agradável.
“E depois… O problema com o cadáver sem pescoço, né Ii-chan.”
Sim, e eu assinto.
Porque o culpado—seja quem for, porque o culpado teria alguma razão para cortar o pescoço?
“Dava pra duvidar de troca de pessoas levando em conta um cadáver sem pescoço, mas nesse caso isso não é necessário. Havia doze pessoas, uma teve o pescoço cortado e sobraram onze. E está claro onde estão as outras onze pessoas.”
“Uni. Se alguma das empregadas trigêmeas tivesse sido morta, esse problema de troca de pessoas seria bem complicado, né-. Como nesse caso foi a Kanami-chan não acho que seja necessário pensar nisso. Se tiver mais alguém nessa ilha, a conversa muda, claro.”
“Acho que não precisa pensar nessa possiblidade. Se além das doze pessoas, existir um décimo terceiro, ou se existir mais n pessoas, os álibis e o fato de estarmos tentando diminuir o número de suspeitos não tem significado nenhum. Não sei como o detetive que vai vir daqui a seis dias pensa, mas acho que vale a pena nós diminuirmos os suspeitos dentre essas onze pessoas.”
É mesmo, e a Kunagisa olha para o teto.
“Pensando em cúmplices ou truques de longa distância, agora dá para tirar de certeza só Bokusama-chan e o Ii-chan, né?”
“Sobre você eu entendo, mas porque eu também?”
“Porque acredito no Ii-chan.”
Uni, e a Kunagisa começa a girar de novo.
“Mas ainda assim, um cadáver sem pescoço. Outra razão fora troca de pessoas… Será que tem? Mas não é como se essa tenha sido a razão da morte.”
“Sim. Se você mesmo por isso, não teria saído só aquilo de sangue. Aí sim teria um rio de sangue. Mas pelo que vi não havia nenhum ferimento, então seria envenenamento ou estrangulamento. Não, isso também não passa de uma dedução.”
“Será que era fácil matá-la?”
“Devia. A Kanami-san tinha problema nas pernas e mesmo que a sua visão estivesse se recuperando, ela ainda não era perfeita. Se aproximar com cuidado, não, mesmo se aproximar sem muito cuidado seria relativamente simples matá-la. Além disso, cortar o pescoço não seria muito difícil.”
Se não tiver hesitação é uma tarefa que acaba em poucos minutos. E provavelmente, o culpado não tinha nenhuma hesitação. Eu acho isso, mesmo que seja só uma intuição.
“… Também não dá pra saber o motivo. Porque a Kanami-san tinha que ser morta?”
“Ninguém tem alguma razão para ser morta. Mas, isso é verdade. Porque será? Tirando o Shinya-chan todos que estão nessa ilha não conheciam a Kanami-chan. Ah-…, mas pode ser que seja diferente. Não é tão estranho que do lado de lá alguém já a conhecesse.”
“Sobre isso dá para pensar de qualquer maneira.”
Então nem adianta pensar.
Hmm, e a Kunagisa suspira.
“Então, vamos parar de pensar por aqui. Sobre como vamos encaixar isso, deixamos para pensar com mais calma depois.”
“Como?”
“Quem você acha que Bokusama-chan é?”
Nii, e a Kunagisa sorri maliciosamente.
É mesmo.
O background dessa garota com cabelo azul–.
“Então, vamos dar uma olhada na cena do crime.”
A Kunagisa pegou a câmera digital que estava ali perto.
4
No meio do caminho para o quarto da Kanami-san nos encontramos com a Yayoi-san. Pensei em chamá-la, mas como posso dizer, estava com um clima ruim de dizer algo e por isso perdi o timing. A Yayoi-san foi dessa maneira andando na direção contrária. Ela passou na nossa frente e parece que ela nem percebeu a nossa presença.
“O que será que ela tá fazendo?”, e a Kunagisa inclina o seu pescoço. “Yayoi-chan tá estranha-“.
“Parecia que ela estava preocupada com algo. Ou melhor, parecia que ela estava atormentada com algo.”
“Uni. Se ela veio de lá, isso quer dizer que talvez ela estivesse vendo o quarto da Kanami-chan. Ela pode estar pensando como nós e está tentando pensar em alguma dedução original para voltar logo.”
“Não acho que seja isso. Ela é a que está mais tempo aqui, sabe? Não acho que a Yayoi-san vá voltar tão facilmente assim.”
“Será-? Bokusama-chan não gosta de ilhas onde acontecem assassinatos.”
“Sobre isso como será mesmo.”
Antes, no momento em que iríamos nos separar na sala de jantar, a Iria-san disse no final que: “Até o Aikawa-san chegar nessa ilha seis dias depois, ninguém pode sair dessa ilha”.
“Contando comigo, no fim das contas todos são suspeitos.”
Isso quer dizer que não é só a Akane-san que está confinada. A Kunagisa decidiu agir para resolver esse incidente não por mera curiosidade. Na verdade a Kunagisa só quer voltar para casa como previsto. Não sei porque, mas ela é rígida com seus compromissos, mesmo que seja normalmente preguiçosa e insensível.
“Bem, mesmo que seja assim tanto fa-z. Se a Yayoi-chan resolver, pra Bokusama-chan não tem nenhum problema.”
“Não dava essa impressão. Melancolia… Ou melhor, deu uma impressão depressiva, e aquilo parecia mais que ela tinha vindo para destruir provas.”
“Se for assim complica-“, e a Kunagisa disse enquanto olhava para mim pela câmera digital. “Então vamos conferir Ii-chan.”
O quarto da Kanami-san estava com a porta aberta. Primeiro vi a parte de dentro da porta que se abre para fora. Ao que parece não tem mais ninguém. A Akane-san está no armazém, então o que será que os outros estão fazendo. Acabei pensando nisso, mas decidi não continuar. Todos estão fazendo o que querem. Seja aqui nessa ilha, seja em qualquer lugar, isso é o mesmo.
Dentro do quarto ainda havia cheiro de thinners, mas ao que parece a tinta já está completamente seca. O cadáver da Kanami-san estava exatamente no mesmo lugar de manhã, exatamente da mesma forma.
“Porque será…”
Eu acho que um cadáver sem pescoço é muito ridículo. Um cadáver é estranho e é um símbolo de medo porque o rosto não demonstra nenhuma expressão. Por isso um cadáver que não tem a cabeça que demonstraria essa expressão é mais do que estranho, é ridículo. Dá a impressão de que estou vendo algo inaceitável, um modelo de plástico mal feito.
Um rio de tinta de cor mármore. No meio dele o casaco que a Kunagisa jogou de manhã ainda estava lá.
“… Por sinal aquele casaco custa quanto?”
“Veio em um set de duas roupas, então deve ter sido uns 10 mil.”
“Dólares?”
“Uni, yen.”
É um preço normal. Fiquei um pouco surpreso.
“Então, pra começar… Vamos entrar…”
E, quando fui dar um passo, como de manhã a Kunagisa puxou minha manga.
“O que foi agora?”
“Experimenta pular.”
“Eh?”
“Uni. É um experimento. Se é possível pular por esse rio correndo através desse pouco espaço livre. Ii-chan não tem um físico tão ruim, né?”
“Mas também não é grande coisa.”
“Experimenta.”
“Entendi.”
Eu experimentei pular com impulso, mas como era esperado não consegui atravessar o rio. Caí com minhas duas pernas um pouco depois da metade do rio.
“… É algo assim.”
“Uni-n”, a Kunagisa, sem pular, atravessou o rio através do seu próprio casaco. “Se pro Ii-chan não dá… Então nessa ilha o único que pode conseguir atravessar é o Shinya-chan. De homem só sobrou ele.”
“È mesmo. Mas se for só problema de força física, aquelas empregadas também tem que ser levadas em conta. As malas da Tomo, foram elas que levaram aqueles computadores e o workstation. Aquele computador não é tão leve assim, certo?”
“Mas como elas são baixas tem o problema simples do tamanho do passo delas. Ah, mas as pessoas que conseguem superar seus limites em certas situações, né. Mas isso é um problema meio estranho. E-ntão. Como será que ta a Kanami-chan.”
A Kunagisa se aproximou do cadáver da Kanami-san enquanto segurava a câmera digital.
Parece que a Kungisa se interessou pelo corpo, mas o que me atraiu foram os quadros. Haviam alguns deles e entre eles havia o quadro refeito da cerejeira que ela tinha quebrado. Vendo isso, não tem como não ficar comovido. Mesmo eu que não entendo sobre artes ou pinturas, vendo algo tão claro como o <valor em si>, não tenho como não sentir nada.
Então o quadro que teve a mim como modelo. A Kanami-san disse que ia dar para mim, mas não, não tem como eu aceitar. Eu não sou uma pessoa tão insensível a ponto de conseguir agüentar tamanha pressão.
“Embora isso não passe de um zaregoto.”
Eu pensei em tocar o quadro, mas parei. Achei que era ruim deixar alguma marca dos meus dedos, mas não acho que isso tenha tanta importância assim.
… Hm?
“Ei, Tomo.”
“O quê?”
“Não tem algo de estranho nesse quadro?”
“Esse quadro quer dizer o do Ii-chan? Hm? Onde? É uma pintura normal.”
O senso da Kunagisa ao ver um quadro desses e achar normal é um pouco anormal, mas não era isso o que eu queria dizer. Tem algo, muito, sutil que está errado. Não é o quadro em si, mas acaba me deixando com uma impressão de inconsistência.
“… Por prevenção tira uma foto. Acho que tem algo.”
“Entendi. …Hmm, aqui não tem nada que chame a atenção.”
Ao que parece a Kunagisa está investigando o cadáver da Kanami-san. Eu olhei para Kunagisa e, “É mesmo?”, dizendo isso me aproximei do corpo da Kanami-san.
“U-ni. Bokusama-chan também não sou um especialista. Não dá pra saber a razão da morte, nem definir o horário. Senão for um médico legista é difícil, né-. Era bom a Iria-chan ter chamado algum médico gênio. Hail, Jack-sensei! Desse jeito. Mesmo assim, sem a cabeça fica difícil definir algo.”
“No fim, não descobrimos mais nada.”
“Uni”, a Kunagisa segura e levanta o corpo da Kanami-san. Desde pequena a Kunagisa não tem medo de tocar em cadáveres. “Isso é um pouco nostálgico, né. Cinco anos atrás era só isso, né Ii-chan?”
“Isso é, mas… Eu não consigo ter essa impressão. Parece que é a primeira vez que vejo um cadáver e por isso não consigo me acalmar.”
Não sei explicar, mas me sinto um pouco preocupado. É uma sensação de descobrir um ferimento que você nunca tinha visto antes no seu corpo.
“É jamais vu.”
“O quê? É isso.”
“É o contrário de deja vu. No sentido de que você já experienciou isso várias vezes, mas parece que é a primeira vez. Acontece quando tem uma paralisação das suas sensações.”
Fun. Então isso quer dizer que minhas sensações já estão paralisadas há muito tempo.
… Lá, também aconteceu muita coisa.
De qualquer jeito, continuou a Kunagisa.
“O que é certo é que não tem nenhum ferimento. Então será que não foi estrangulamento? E pra esconder essa linha cortou o pescoço.”
“Ainda assim essa é uma conversa estranha. A arma que foi usada para cortar o pescoço, uma faca ou um machado ou uma machadinha, não sei o que foi, mas se estava levando isso com ele então porque não usou isso para matar?”
“Pode ser que tenha matado assim. Não tem nenhum ferimento, mas isso é só sobre o body. Pode ser que tenha ferido a cabeça.”
“… É isso mesmo”, e eu disse. “Falando nisso, onde está a cabeça? O culpado deve ter levado. Não, será que ele levou mesmo pra algum lugar?”
“Como metade da ilha é floresta, então será que não enterrou em algum lugar? Ou jogou no mar. Não tem muita dificuldade em esconder essa prova.”
“Então voltamos à conversa sobre porque o pescoço foi cortado…”
Mas, voltar aonde começamos é o mesmo que ter chegado ao fim de uma rua sem saída.
“Mais uma dúvida Ii-chan. Olha, veja isso. O pescoço do cadáver foi cortado desde a sua base, certo? Porque será que foi assim? Normalmente quando vão cortar o pescoço, é, assim, não miram no meio do pescoço?”
Por falar nisso a posição do corte não é normal. Ainda assim, não acho que isso seja um grande problema.
“…”
Eu fiquei em silêncio e cruzei meus braços. Investigamos a cena do crime, mas não conseguimos mais nada de novo. No fim, o que conseguimos foi a descoberta de que o rio de tinta é impossível de ser atravessado.Mais do que um avanço, parece que recuamos.
A Kunagisa foi para mesa de telefone que está perto da janela e pegou o telefone.
“Hmm. Aqui também não tem nada demais.”
“Achou que tinha algo?”
“Hmm. Achei que alguém podia ter mexido na linha interna e feito esse telefone se conectar em algum outro lugar. Mas como dá para ligar daqui sem problemas, então parece que não teve isso. Também não tem sinais de ter havido alguma mudança nele.”
“Telefone… Como foi mesmo? O que a Kanami-san disse quando o Shinya-san ligou?”
“Que a tinta havia caído, que era pra ele não vir porque estava trabalhando. Uni, mas sabe, mesmo que ela tenha dito que não era pra ele ir, o Shinya-chan devia ter ido até o quarto conferir. É um pouco rígido, mas esse é o trabalho do acompanhante.”
“É como você disse. Mas não adianta conversar sobre o que já passou.”
Afinal o Shinya-san vai a partir de agora ter carregar essa responsabilidade junto com o seu arrependimento. Não é algo que nós deveríamos culpá-lo, nem há essa necessidade. O mundo tem muita coisa injusta, mas ele é feito de forma que o que você faz é sua responsabilidade. Só que tem casos que você tem que assumir a responsabilidade de coisas que você não fez.
“Não dá pra pensar que a linha voltou ao normal depois?”
“Hmm. Não digo que é impossível, mas acho difícil. Não é algo simples como uma tomada que é só <colocar e tirar>.”
“É mesmo… Então pode ser que você consiga diminuir as possibilidades sobre isso. Sobre isso é sobre o quarto fechado.”
“Acha que eu estou mentindo?”
De repente ouvi a voz do Shinya-san por trás e me virei apressadamente. Deu pra ver que o Shinya-san estava com um saco meio laranja perto da porta.
“Mas eu com certeza ouvi a resposta da Kanami. Isso não é mentira.”
Uma voz fraca. Isso é bem, óbvio.
“… Não é como se eu estivesse achando que o Shinya-san mentiu. Não tem porque pensar dessa forma. Mas Shinya-san, isso é só uma hipótese…, mas a pessoa do outro lado da linha não podia ser outra pessoa fora a Kanami-san?”
“Não”, resposta instantânea. “Pode não parecer, mas eu conheço a Kanami faz muito tempo. Não tem como eu, não conseguir identificar a voz da Kanami. … Você, está duvidando de mim?”
“Não é isso. Não acho que havia alguma razão para o Shinya-san matar a Kanami-san.”
“Vai saber. Pode ser que houvesse uma profunda discórdia.”
O Shinya-san sorri sem forças. Então ele começa a andar pelo rio de tinta já seca. Como a distância diminuiu consegui descobrir o que era o saco laranja. Era um saco de dormir. O Shinya-san olhou para mim e “Não vai me dizer que dá pra deixar isso assim, certo?”, disse.
“Já recebi permissão da Iria-san. Decidi enterrá-la na parte de trás da montanha. A Iria-san não tem intenção de contar isso para a polícia e, além disso, essa é a mansão da Iria-san. Eu não posso falar nada, então o mínimo que eu posso fazer é fazer um enterro pra Kanami.”
“Eu ajudo.”
E, eu disse. O Shinya-san pensou em dizer algo, mas pode ser que ele tenha se tocado que essa tarefa era mais fácil com três pessoas do que com apenas uma, e no fim não disse nada.
Eu e o Shinya-san carregamos o corpo da Kanami-san e em silêncio o colocamos no saco de dormir. É óbvio, mas não dá para sentir nenhum calor vindo do corpo.
“Shinya-san. Tem algo para cavar?”
“Parece que prepararam uma pá grande na entrada. Então, vamos fazer a Kunagisa-chan levar isso. Hm. … Isso é uma câmera digital?”
“Un”, e a Kunagisa assentiu. “Pra quando o detetive vier, é bom deixar gravado sobre a cena do crime. Afinal o cadáver não deve pedir direito de copyright.”
Essa não é uma boa maneira de transmitir isso, mas o Shinya-san assentiu com um “É mesmo”, e apenas sorriu.
“Então, vamos.”
“Bem… Shinya-san. Essa pintura é…”
“Hm? Ah. Sim, é da Kanami. Ficou muito bom. Foi a última obra dela, mas… Como parecia que ela ia te dar, espero que aceite.”
“… Posso mesmo?”
“Eu quero respeitar a vontade dela.”
Vontade.
Sim, ela morreu. Sem conseguir realizar nada…
“Carrega a parte das pernas? Eu carrego a parte da cabe…”
No meio da frase o Shinya-san ficou sem palavras. Deve ter se tocado que a parte da cabeça já não está mais aqui. Eu, em silêncio, peguei a parte das pernas como pedido.
O Shinya-san deve querer enterrar a cabeça junto também. Mas essa cabeça sumiu. O culpado pode estar escondendo ela, ou como a Kunagisa disse, pode estar dentro da montanha, dentro do mar.
Sem levar isso em conta eu carreguei as pernas. Cadáver é pesado. Uma pessoa que perdeu sua consciência, uma pessoa que perdeu o que a sustenta é mais pesado do que se pode imaginar. Não é como se não desse pra levar sozinho, mas levar em dois é melhor.
Depois disso nós três ficamos em silêncio. Em silêncio carregamos a Kanami-san, saímos da mansão, fomos na parte de trás da montanha, e em silêncio cavamos um buraco.
O corpo da Kanami-san que está dentro de um saco de dormir barato. Pra um caixão, esse saco de dormir laranja é mesmo ridículo. Eu acabei achando que a morte das pessoas é ridícula e é somente ridícula.
As pessoas morrem. Eu sei disso mais do que queria, sei disso que até dá vontade de vomitar, e a Kunagisa também sabe até demais sobre isso. O Shinya-san também como um homem já experiente, já teve contato com a morte de outras pessoas.
Por isso nós três estávamos em silêncio.
Então o Shinya-san disse: “Já podem ir voltando.”
“Eu vou ficar mais um pouco aqui.”
Eu pensei em falar algo, mas decidi não fazer isso. Apenas segurei a mão da Kunagisa e saí de lá. Pode ser que agora o Shinya-san vá chorar. Pode ser que não vá chorar. Mas, seja qual for, esse não é um lugar que eu devo ficar.
No fim, eu sou somente um estranho para eles.
“Será que podia mesmo enterrar.”
A Kunagisa disse isso só agora.
“Será que não foi bom? A única pessoa próxima que era o Shinya-san foi quem deu essa idéia e queria isso. Não é como se desse pra deixar o cadáver daquele jeito por uma semana no atelier.”
“É. É mesmo.”
“Tomo. Por sinal qual é a pena por ocultação de cadáver?”
“Uma sentença de um pouco menos de três anos. Além disso, mais vários pequenos crimes adicionais. No fim, a pena vai ser suspensa mesmo. Bokusama-chan e o Ii-chan somos de menor. Não precisa se preocupar. Se precisar é só juntar dinheiro que duas pessoas não é grande problema.”
Que conversa vulgar.
Mas não é como se fosse um assunto refinado.
“É um zaregoto…”
Ouvindo o meu sussurro a Kunagisa fez um rosto de quem está vendo algo misterioso.