SugarDark Vol.01 Cap.02

From Baka-Tsuki
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Capítulo 02[edit]

Prisioneiro.

Originalmente, a forma como seu carcereiro dizia aquela palavra era utilizada para se referir a escravos remadores nas antigas galés. Como o trabalho era muito pesado, a palavra continuava sendo usada para referir-se a ambientes de trabalho forçado. Entretanto, no presente quando barcos eram impulsionados por vapor e por turbinas ao invés de remos, criminosos cumprindo suas sentenças eram em geral referidos através daquele termo. Decretado pela lei, prisioneiros cumprindo suas penas eram marcados para o trabalho, sem qualquer exceção.

Prisioneiros tinham de fazer tarefas como matar animais, despojar excrementos e sobras, minerar e destruir vegetação. Como o trabalho era difícil e penoso, fora constatado que poucas pessoas estavam dispostas a fazê-los. Em particular nos casos de prisão perpétua, prisioneiros eram forçados a trabalhar até o fim de suas vidas sem chances de obter parola.

...A pá que deram ao garoto era apenas um pouco mais curta que aquelas que ele usou no passado. A haste era feita de madeira extremamente seca e dura, e ferro resistente a ácido fora usado para a pá e o cabo. Parecia completamente nova, como se houvesse sido trazida direto da fábrica.

Havia três dias à viatura o trouxera para o cemitério público. Com exceção dos momentos em que dormia o garoto chamado “Prisioneiro 5722” estava continuamente cavando buracos.

O lugar onde vivia era o extremo oposto da sua pá de alta qualidade. Para sua cama, lhe haviam dado um espaço no decadente estábulo nos fundos da propriedade. A palha espalhada pelo chão estava quase estragada, e mesmo que parecesse não haver cavalos ali por um bom tempo, o fedor característico de gado persistia no ar.

Pouco tempo após o nascer do sol, o homem idoso e a mulher que se parecia com ele apareceram. Com exceção do cabelo, das roupas e do nariz curvado, que assemelhava-se ao de uma bruxa, os dois eram praticamente iguais. Entretanto, comparado ao homem que não despejava cortesias em nome da decência, a mulher, cuja expressão seria muito menos revoltada se lidasse com um cavalo, berrou.

-Levante-se e faça seu trabalho, seu pequeno desgraçado!

Então ele empurrou alguns bocados de pão duro e sopa salgada em seu estômago e traçou seu caminho para o cemitério. Entre os severos raios de sol, tentou ignorar o desconforto e continuou cavando o que seria a cova para o corpo de alguém.

Para ser honesto, no momento em que a venda foi removida... em outras palavras, no momento em que percebeu que fora levado para um cemitério, o rapaz teve uma vaga sensação de que aquele mesmo destino se acometeria a ele. Aquele trabalho se encaixava com ele, de qualquer forma, já estava acostumado com ele. No final das contas, cavar buracos e trincheiras era uma das responsabilidades básicas dos soldados de menor escalão na infantaria.

Ele imaginou quantos cavaleiros haviam sido removidos das linhas de frente e colocados naquela posição. Com o desenvolvimento das armas de fogo após a Revolução Industrial, cavaleiros, lanceiros e arqueiros não eram mais úteis. Devido ao fato de que todos nas largas trilhas pela terra. E assim nasceram aqueles chamados “toupeiras de campo de batalha”.

Tendo acabado de desenterrar uma pedra do tamanho de sua cabeça, amaldiçoou as espessas raízes de árvores a seus pés. Ao mesmo tempo, ofereceu uma silenciosa oração aos ossos humanos que ninguém jamais conheceria. Não importa se é uma selva, um terreno plano, as margens de uma floresta, ou um campo abandonado, eu rezo para que meus companheiros Toupeiras, não importa onde estejam... não importa onde estejam... eu rezo para que também estejam cavando.

Naquele tempo, ele ficara grato porque a pá que foi lhe dada pelos militares aumentara o comprimento de seu braço. Seu corpo ainda se lembrava disso. Para o rapaz, nem os ferimentos que a coleira causava em seu pescoço, nem os tufos de cabelo ardendo com a luz do sol eram tão desagradáveis quanto aquela pá que o homem idoso lhe dera, que era curta demais.

Bom, um buraco tão grande quanto aquele era mais que o necessário para enterrar uma única pessoa.

Tirou um momento para respirar, enquanto observava seu trabalho. Cavara o buraco como lhe fora ordenado, mas ele parecia grande o bastante para enterrar uma pequena casa.

-Se uma pessoa agachada fosse enterrada aqui, não ocuparia nem mesmo um décimo do espaço. Talvez estejam planejando usar um caixão extremamente largo – ele murmurou para si.

Ou, para se adequar ao nome “The Mass Grave”[1], ele imaginou quantas pessoas eles planejavam enterrar naquele buraco.

Após uma grande batalha, haveria muitos corpos chegando... era essa a razão de ele estar ali?

Bom, o que eles planejam fazer com esses buracos não é da minha conta.

Havia alguma outra coisa sobre a qual ele deveria pensar. Alguma outra coisa que ele deveria saber.

Pelos três dias desde sua chegada, a única coisa que passara em sua cabeça enquanto cavava era uma forma de escapar. Estranhamente, ele parecia ser o único prisioneiro forçado a trabalhar no Mass Grave.

Seu supervisor... não, mesmo que parecesse estar vigiando o garoto vinte e quatro horas por dia, se Daribedo tivesse que fazer outra coisa, ninguém conheceria seus movimentos.

Considerando que fosse capaz de se esconder, não estaria então livre dessa patética existência resumida a cavar buracos? Não, se não conseguisse, estaria cumprindo o resto de sua sentença fazendo trabalho forçados como “Prisioneiro 5772”.

Isso não é uma piada. Murmurou diversas vezes enquanto cavava.

Essa situação definitivamente não é uma brincadeira. Eu preciso arranjar uma forma de escapar desse lugar sombrio e deprimente...

Comparada com as algemas e barras de ferro durante seu julgamento, as fracas restrições no Mass Grave apresentavam uma boa oportunidade. Primeiro, ele iria encontrar uma maneira de fugir daquele lugar. Depois, mudaria seu nome, se tornaria uma pessoa diferente e recomeçaria sua vida em algum lugar onde grupos como polícia e exército não pudessem chegar...

Enquanto o rapaz trabalhava, pensando somente em sua fuga, seu terceiro dia de trabalho se transformou em noite. O cemitério, quando iluminado pelo crepúsculo era mais tenebroso que em qualquer outro momento. O vento soprava nas fendas do estábulo decadente, tornando-o frio demais. Ele duvidava que qualquer um naquele latifúndio tivesse considerado que necessitaria de uma vela ou lampião. Assim, quando as nuvens cobriam a lua e as estrelas, o estábulo ficava completamente mergulhado em trevas. Era a mesma sensação de quando estava vendado. Sua única opção era enrolar-se no cobertor. Na primeira noite, até mesmo dormir fora difícil... se tivesse que confessar, diria que fora assustador.

Fantasmas não existiam. Em sua mente, compreendia isso.

Entretanto, sozinho no meio da completa escuridão, com as velhas dobradiças estalando e o som agourento do vento, não podia deixar de pensar que havia alguém se aproximando.

É claro, colocou-se de pé em um pulo e forçou seus olhos, confirmando que não havia ninguém ali. Porém, como aquele sentimento sempre voltava, começava a duvidar que realmente não acreditava em coisas como fantasmas ou espíritos passeando fora de seus corpos. Bem, ao menos aquele lugar não seria assombrado por corpos presos em ressentimentos.

Mesmo que estivesse apavorado, naqueles dois dias seus temores se provaram uma perda de tempo.

Felizmente (Se era realmente sorte ou não, não saberia dizer, mas...), naquela noite não havia nem mesmo uma nuvem e a lua brilhava. Estava tão claro que ele podia ver com clareza seus dedos do pé, tornando aquela noite ideal para um passeio. O rapaz se levantou de sua cama de lençóis e palha. Enquanto passava, foi encarado pelo cachorro negro, que como de costume estava esparramado na porta do estábulo.

-Eu só estou indo urinar. Você provavelmente não faz isso em sua própria cama, não é? – o garoto falou, agitando sua mão. O cão deixou o estábulo e começou a segui-lo de perto.

É um cão com ar solene, embora assustador. Ele parece entender o que digo.

Lembrou-se dos dois maiores problemas que impediam sua fuga.

A coleira em seu pescoço... e o cão.

Não importava o que o rapaz fizesse o cachorro chamado “Duffin” sempre estava vigiando. Mesmo quando não estava em sua linha de visão, definitivamente parecia estar dentro da área de percepção do animal, então, se tentasse ir a qualquer lugar, eventualmente “Duffin” estaria em seus calcanhares, seguindo-o.

“Nem mesmo pense em fugir”, Daribedo dissera no primeiro dia. “Duffin é um excelente guarda de covas. Ao mesmo tempo, é um incomparável cão de caça. Seu faro e suas presas o tornam o melhor carcereiro possível.”

Um cão como meu carcereiro? No primeiro momento, não estava tão convencido, mas...

Por três dias estivera sob vigia, no fim aquele cão entendera sua tarefa com excelência. Em um passado distante, os humanos lutavam diretamente com cães de caça, e era difícil vencer essas batalhas sem sofrer danos.

Mesmo se não soubesse o que aconteceria se tentasse surpreender o cão com uma estocada de sua pá, aquilo não importava. No fim o animal nunca se aproximava o suficiente.

Seria bom se o cachorro abaixasse a guarda quando se alimentava. Entretanto, mesmo que os pedaços de pão atirados nele fossem poucos, o cão certamente seria capaz de localizá-lo seguindo o aroma.

Após se aliviar, não retornou diretamente ao estábulo. Ao invés, caminhou ao lado dos muros da mansão. Estava relutante em seguir para o cemitério. Mesmo o som de folhas farfalhando com o vento fazia com que se sentisse desconfortável.

Mas... obviamente nada iria aparecer. Nada como um homem sem pernas, certo?

Bem, mesmo que decidisse adiar sua fuga, seria necessário saber como o cemitério ficava na ausência de luz. Caso fugisse no meio da noite, não importava qual caminho escolhesse teria de cruzar a floresta desconhecida e escura... e isso seria suicídio. Ainda, se conseguisse passar o caminho, não sabia se conseguiria chegar até a cidade mais próxima. Caso conseguisse encontrar algumas marcas de rodas – e isso sendo otimista – teria de seguir por uma estrada. Para conseguir seguir uma estrada, teria de deixar o cemitério.

Está tudo bem, não existem fantasmas. Mesmo assim, não foi muito mais aterrorizante ter uma metralhadora[2] apontada para minha cabeça?

Após perguntar-se isso, com a mesma cautela que tivera quando vendado, o rapaz avançou para o cemitério. As inumeráveis lápides banhadas pela lua, um brilho azul se destacando da escuridão. As pedras desbotadas lembravam-lhe ossos.

Tinha planejado descobrir quais eram os prós e contras do cemitério, mas como sua visão não conseguia penetrar na escuridão profunda acabava sentindo que o cemitério era excessivamente vasto. Não importava qual direção olhasse, via apenas as mesmas lápides espalhadas e a floresta na distância. Havia sido levado até ali vendado, tinha certeza de que não sabia nem mesmo o caminho para o estábulo. Por mais estranho que fosse ter aquele apático cão seguindo-o era reconfortante.

-Prisioneiro... aliviado em se livrar do carcereiro? Talvez prefira um cão...

Um sorriso amargo brotou em seu rosto, involuntariamente, quando se lembrou das palavras de Daribedo.

Parece estar tudo bem. Apesar de haver um toque supersticioso em relação a fantasmas neste local, no final eles só existem em histórias.

Enquanto o vento soprava, ele caminhou pelo cemitério, seu espírito revigorado.

É claro, sabia que era um blefe. Sob a coleira, sentia calafrios em sua nuca. Até mesmo seus braços fortes estavam arrepiados. Já fui longe o bastante por hoje... eu deveria continuar amanhã... a cada passo, esses pensamentos passavam por sua mente. Subitamente percebeu que estava parado em frente ao enorme buraco que cavara mais cedo. Daquele ângulo, parecia que uma espécie de adega poderia ser construída ali. A luz da lua não alcançava o fundo, fazendo com que a escuridão parecesse uma espécie de líquido... aquela lápide ainda não possuía inscrição, era uma cova sem dono.

Durante o dia, imaginara quem seria enterrado ali.

E agora, perguntas sobre o que aconteceria consigo quando morresse nasciam em seu peito.

Caso tivesse quebrado alguma das regras quando confinado no campo de prisioneiros, teriam lhe dado informações minuciosas sobre o Código Penal. Mas ninguém lhe disse o que aconteceria se morresse. Por exemplo, se fracassasse em sua fuga e morresse com a garganta dilacerada pelo cão, seu corpo seria enterrado naquele cemitério? Mesmo que não houvesse ninguém para chorar sua morte, tudo parecia terrívelmente sem razão. No começo de seu julgamento, havia sido decidido que o nome que seu pai lhe deu seria revogado, então provavelmente não haveria um nome gravado em sua lápide.

O coveiro não possuiria uma cova para si.

Aquela sarcástica suposição fez com que sorrisse amarguradamente de novo. Não sabia se deveria ficar triste ou frustrado com a situação. O sentimento era tão vago que no fundo, só conseguia sentir-se vazio, como a escuridão nas profundezas do buraco.

Enquanto escutava o vento, percebeu que havia algo mais.

Como se houvesse algo se movendo... escutou o farfalhar de roupas.

Virou sua cabeça na direção do som, viu que o cão desaparecera sem que notasse.

Um calafrio percorreu sua espinha.

Finalmente sozinho, o rapaz lembrou-se em qual era a espécie de lugar em que estava perdido. Precipitadamente e com a consciência pesada, olhou ao redor.

O grupo de lápides ao seu entorno...

O buraco gigante aos seus pés...

A floresta escura...

A grande lua que minguava lentamente...

E por fim, mal entrando em seu campo de visão...

Há alguma coisa ali.

Além dele, o que poderia estar naquele remoto cemitério no meio da noite?

........... Sua mente estava branca.

O que quer que fosse tinha o tamanho de um humano e usava um largo capuz negro. O sobretudo chegava a altura de seus pés, flutuando com o vento. Assombração? Zumbi? Fantasma?[3]... as sombrias fábulas que os adultos lhe contaram quando era uma criança flutuaram por sua cabeça.

O capuz criava uma sombra, impedindo o garoto de ver a face do ser. Entretanto, tinha certeza de que a criatura havia notado sua presença. Como prova, avançava na direção do rapaz. ...Se... eu não... correr...?

Era difícil respirar. Ele não fugiu, mas apenas porque seu corpo recusou a mover-se, ignorando sua mente gritando para que se movesse. O medo tomou o controle e ele entrou em pânico, sua mente completamente enevoada. Suas pernas estavam congeladas, como se fosse um soldado em frente a uma granada prestes a explodir. Sentia-se terrívelmente zonzo, tremendo naquele lugar. Talvez sua bexiga estar vazia naquele momento fosse um sinal de misericórdia divina ou uma benção.

Balançando um pouco, a pessoa aproximava-se de forma lenta, mas de forma alguma o rapaz perceberia isso.

Meus sentidos estão... distantes.

Era uma sensação estranha. Ele precisava fugir. Era a única coisa em sua mente. Ele precisava fugir. Fugir desse fantasma... desse cemitério. Suas pernas pareciam estar presas ao chão, mas ele utilizou toda a energia que lhe restava para movê-las.

No momento seguinte, seus joelhos fraquejaram e ele caiu. Despencando, parecia que o chão estava muito distante.

No final, nada de bom aconteceu.

No meio cemitério, no meio da noite, o garoto perdeu a consciência.

...Mas um segundo antes de desmaiar, pensou ter visto um rosto claro nas sombras do capuz da criatura.

Sua memória mais antiga era de um som. Ele conseguia ouvir um alto “Kiin.Kiin...” vindo de algum lugar próximo ao seu pequeno quarto. Ele estivera olhando um teto antigo, ao qual estava muito familiarizado... o teto de sua casa, em sua cidade natal.

Tentando não acordar seu irmão, o rapaz deslizou para fora da cama silenciosamente. Com os pés no chão, seu campo de visão ficava muito menor do que momentos atrás... sabia vagamente que aquilo era um sonho de sua infância.

Kiin.Kiin...

Seu pai, um pedreiro, estava manuseando um cinzel e um martelo.

O garoto encarou fixamente as costas de seu pai, que estava sentado em uma pequena escada dobrável, focando toda a sua atenção e energia a esculpir algo na pedra.

Na verdade, não conseguia recordar-se da voz de seu pai. Lembrava-se que era uma pessoa teimosa e calada. Na verdade, extremamente calada... quieta como uma pedra. Talvez, se você encarasse uma pedra por um longo tempo, seu corpo e seu coração se tornariam duros. A barba curta do homem parecia ser tão espetada quanto o escovão que normalmente utilizava, e a palma de suas mãos era grossa como couro de elefante.

Também havia a altura. Definitivamente não poderia ser maior que a atual altura do rapaz. Pensando sobre isso, era estranho que alguém tão alto como ele fosse filho de um homem de estatura tão baixa. Entretanto, na sua memória, seu pai era alto e passava uma forte impressão. Enquanto continuava imóvel olhando seu pai, algo entrou em sua visão. Seu pai havia se virado para ele.

-XXXXX, não está conseguindo dormir? – Perguntou, chamando o nome do rapaz.

Não conseguia lembrar-se da voz, provavelmente porque era um sonho, mas aquela voz que ouviu era rápida demais. Mesmo assim, o rapaz sentiu alívio. Certamente, era porque seu pai havia dito seu nome...

Desde quando comecei a ter sonhos com meu pai... o prisioneiro pensou, ainda dormitando.

Ele rapidamente despertou… Caso fosse possível, queria estar pronto para trabalhar antes que a velha barulhenta retornasse. Porém, por alguma razão estava tão quente e confortável que não queria levantar. Era similar ao que se sente quando seus sentidos e consciência começam a se evanescer em uma banheira. Por apenas mais alguns momentos, ter sonhos sobre seu pai não era tão ruim.

Sua boca estava com gosto de terra.

Apesar de suas intenções, não conseguiu ver nada à esquerda. Tentou piscar, mas sentiu uma dor aguda em seu olho. Ao deitar-se de lado, conseguia ver uma grande parede de terra à sua direita.

-O que...

Ele levantou-se, e ao invés de estar em um colchão, um monte de terra caiu de seu corpo. Metade dele estava enterrado... não, provavelmente havia sido enterrado. Agora, estar dentro da cova que ele mesmo cavou não era nem um pouco engraçado.

Eu desmaiei, é isso.

Antes que conseguisse entender a situação, pedaços de terra caíram e cobriram sua cabeça.

-Waah, o que, ugh! – sacudindo a substância invasora, o rapaz olhou pra cima.

-Você está vivo? – disseram lábios da cor de cereja.

A luz da lua refletia como prata cintilante no metal de uma pá do mesmo modelo que a que ele possuía.

Uma garota o observava da borda do buraco, manuseando uma pá já carregada com mais terra.

-...

A capa escura que ela usava era definitivamente a mesma que ele vira antes. O que ele vira abaixo do capuz certamente parecera humano, mas honestamente, ela era linda. Ao menos ele achou. Por alguma razão além do medo, vê-la fez com que se esquecesse de respirar. Após observar misteriosamente o rapaz parado, ela inclinou sua cabeça para o lado e perguntou:

-Ou você está se movendo mesmo estando morto?

-... Sobre o que você está falando? – respondeu bruscamente à estranha pergunta, sua atitude rígida desapareceu completamente.

A voz da garota era leve e bonita, em seus olhos azul escuro havia uma expressão suspeita. Do capuz, escapava um sedoso cabelo castanho avermelhado. Em seus dezesseis anos de vida, ele nunca havia visto uma criatura tão bonita, e pensou que nunca mais veria algo tão belo no futuro.

...Espere. Não se irrite. Esqueceu onde está? O rapaz perguntou para si mesmo, apertando seus olhos.

Tentando acalmar seu coração, um grande número de perguntas surgiu em sua cabeça.

Desnecessário mencionar, a expressão da garota mostrava que ela não o vira trabalhar no cemitério nos últimos dias.

Mesmo que a tivesse visto apenas de relance, acreditava que não poderia esquecer sua face. Mas o que diabos ela estava fazendo naquele lugar essa hora da noite? Ele sentia que era incomum uma garota perambular sozinha pelo cemitério durante a noite.

Ela parece humana, mas não posso afirmar com certeza que ela não é apenas um fantasma bonito.

Não, para começar...

-Quem é você? – o rapaz perguntou.

A garota, como esperado, lançou-lhe um olhar misterioso. Ela não parecia assustada ou em pânico, sua expressão era um misto de confusão e curiosidade. Era como se ela tivesse encontrado uma galinha chocando no meio da estrada.

A misteriosa garota ficou em silêncio, e enquanto o rapaz imaginava se ela teria entendido a pergunta ou não, ela respondeu.

-Meria Mass Grave.[4]

Ele levou algum tempo para entender que aquela seria de palavras eram o nome da garota.

-Meria?

Repetiu o nome para confirmar, e ela anuiu silenciosamente.

-Pelo inferno, o que você está fazendo aqui no meio da noite?

-É natural, sendo que sou a guardiã do cemitério. – ela respondeu.

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Como se aquelas palavras completassem sua explicação, Meria não disse mais nada.

Não conseguindo mais suportar o silencioso olhar dela, o rapaz desviou os olhos e decidiu se concentrar em sair do buraco. Enquanto tentava escalar para fora da cova, que tinha praticamente a sua altura, eventualmente notou algumas pegadas deterioradas aonde perdera o equilíbrio.

Parecia que no momento em que pensara que Meria era um fantasma e tentara fugir, acabara tropeçando e batendo sua cabeça, e por isso perdera a consciência. Provavelmente também era a razão para a dor em seu pescoço. Definitivamente, nada era mais desagradável que aquela dor. O fato da garota não estar nem mesmo prestando atenção ao seu esforço fez seu rosto queimar. Então, com a face avermelhada, ele escalou para a borda do buraco.

Uma vez que seus pés tocaram o chão e ele levantou-se, passou a olhar para baixo enquanto Meria precisava olhar para cima. Caso ficassem lado a lado, ela teria mais ou menos a altura de seu peito. Para uma mulher, poderia dizer que aquilo era algo ordinário.

Eles deveriam ter a mesma idade, ou ela era um pouco mais jovem que ele. O corpo franzino dela estava coberto desde a cabeça até os tornozelos pelo pesado sobretudo negro, que deixava somente sua face e uma parte de seus pés expostos ao ar livre.

-...E você é? – a garota perguntou, inclinando sua cabeça para o lado.

A imagem dele estava refletida nos límpidos olhos azuis, que eram como a superfície de um lago sem ondas.

-Quem é você? Aquela pergunta e o olhar fixo da garota pareciam perfurar as profundezas de sua mente.

Bem... afinal... quem eu sou? Ele imaginava como deveria responder. Milhares de respostas flutuaram por sua mente.

O terceiro filho de um pedreiro, uma toupeira de campo de batalha, um assassino de superiores, prisioneiro 5722. E agora o coveiro sem nome. Cada um daqueles nomes estava correto e certamente o representavam.

Mas… Mas como eu quero ser chamado?

-Muoru.

Aquele nome havia sido roubado... seu verdadeiro nome.

-Meu nome é Muoru Reed.

...quando nascera... seu pai lhe dera aquele nome.

Aquela palavra era diferente da terra em sua boca. Ele era capaz de dizê-la sem se sentir desconfortável ou deslocado.

Era um nome bobo, se pensasse sobre o assunto. Mas enquanto a memória não se desintegrasse, era impossível roubar o nome de alguém.

-Muoru, huh?

Como se imitasse sua expressão perplexa, ela repetiu o nome do rapaz.

Ele deu um passo para trás, distanciando-se dela.

Então, como se tentasse proteger seu coração, colocou a mão sobre seu peito.

Por que estou tão atônito se ela apenas disse meu nome?

Surpreso por ter se chocado por algo tão banal, buscou por alguma razão em sua mente.

Talvez, ele poderia dizer, tivesse se esquecido completamente de como era escutar seu nome. Deveria ser isso. Aquela era a única razão.

Meria inclinou sua cabeça para o lado novamente, seu cabelo lustroso ondulando ligeiramente.

-Então, o que estava fazendo? – ela perguntou.

-Eu estava apenas…Pihhhh….. [5]

-…

-…

-Pih? – Ela perguntou com sua bela voz, repetindo aquele fragmento da frase que ele hesitava em dizer.

-Me aliviando – [6] Muoru disse, seu peito tenso.

-Certo – Meria anuiu, e quando o fez, no espaço entre seu cabelo e o capuz, ele vislumbrou sua clavícula.

-Ah, umm... – murmurando, ele procurou por palavras.

Apesar de haver diversas perguntas que ele deveria fazer, os pensamentos em sua mente estavam estranhos, revolvendo-se lentamente, e ele não conseguia lembrar nenhuma delas. Fixando seus olhos na garota, ele conseguia perceber sua mente ficando levemente anuviada, como quando estava bêbado com álcool e com o cheiro de flores. Entretanto, era a primeira vez que experimentava aquela sensação apenas por falar com alguém. E aquilo estava longe de ser desagradável... Subitamente, ela virou-se.

-Bem, então... – Meria disse, afastando-se rapidamente como se tivesse perdido todo o interesse nele.

-Espere um pouco! – Muoru gritou impulsivamente.

-……?

-Não… aquilo, - apesar de ter sido bom impedi-la de afastar-se, como de costume, sua mente parecia funcionar apenas pela metade, e ele não tinha idéia do que dizer a seguir. Ela olhou-o sobre os ombros. Com seu capuz escondendo metade do perfil, ela o encarou, sem piscar, como se fossem crianças apostando quem conseguia encarar por mais tempo.

Ele não sabia se ela estava sendo meticulosa ou não, mas mesmo que ele não conseguisse formular nem mesmo duas palavras, ela esperou por ele imóvel, como se o tempo houvesse parado.

-…Aquela pá é minha. Perdoe-me, mas você poderia deixá-la ali? – ele perguntou, em um tom hesitante, enquanto apontava para a pá.

Meria estivera segurando a pá, mas após ele falar, como se ela finalmente tivesse se lembrado, olhou para suas mãos. Depois encarou o buraco que Muoru cavara e que ela começara a encher mais cedo, antes de olhar para ele.

-Você cavou esse buraco? –ela perguntou.

Ele anuiu e a garota, com uma expressão difícil de interpretar, continuou a encará-lo.

Então, sem avisar, ela atirou-se na direção dele, quase tropeçando devido à velocidade. Mas antes que se chocassem, ela freou a um passo de distância e entregou a pá de metal. Por reflexo, ele aceitou o objeto. Nenhuma piada sarcástica brotou em sua mente como era de costume.

Ele apenas disse – Obrigado.

Mesmo que sentisse que não era necessário ser educado quando devolvessem algo que era dele, não conseguiu dizer qualquer outra coisa.

-...

A garota por alguma razão piscou seus olhos velozmente. Enquanto ela o encarava, ele pode ver um belo reflexo da lua. Então, subitamente, como se fugisse, ela se afastou dele.

-Adeus – ela disse – ummm......Muoru?

-Yeah...

Enquanto o rapaz permaneceu parado como uma estátua, Meria afastou-se sem olhar para trás.

Muoru encarou a capa dela, mas após um momento ela desapareceu na escuridão....... Realmente, ela era como um fantasma ou algo do tipo.

Referências[edit]

[1] The Mass Grave seria algo como “Cemitério em Massa”/Valas comuns, ou seja, uma cova contém múltiplos corpos.

[2] A palavra era “gun turret”, eu não tenho certeza, mas imagino que seja uma metralhadora antiaérea, muito utilizada em navios durante a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial para derrubar aviões.

[3] Assombração (死霊, furiganaレイス) é um espírito visível. O termo em inglês era “Wight”, que seria um ser sobrenatural semelhante a um zumbi (影魔 furigana シエード).

[4] 共同墓地のメリア

[5]「小便」está escrito no livro しょ…う. Como ele estava urinando, provavelmente foi uma tentativa de manter a dignidade. [6] [手洗い] uma maneira educada de dizer que tinha ido ao banheiro.

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